EVIDÊNCIAS PARA LEMBRAR

Evidências há que devem de ser sublinhadas para que não sejam atiradas para o fundo do baú da nossa memória. Nós, seres humanos que somos, temos a capacidade – ou o dom – de manipular a nossa memória consoante as conveniências, mas é bom que nunca esqueçamos que o futuro depende, em grande parte, do legado que deixaremos aos que nos seguirão, ou seja, da memória e da consciência crítica que às gerações futuras sejamos capazes de transmitir. Deixo-vos aqui algumas dessas verdades (as minhas) evidentes para que as tenhamos presentes, sobretudo nos momentos em que nos daria mais jeito atira-las para o fundo do baú.

1. A responsabilidade das consequências decorrentes da decisão do Tribunal Constitucional cabe em exclusivo e por inteiro ao Governo, sendo ela ainda maior quando se é reincidente no erro. Ao tribunal cabe velar pela Constituição, ao Governo cabe governar de acordo com a Lei Fundamental do País. Ignorar este princípio básico da democracia, ou pretender cinicamente ultrapassá-lo, é próprio de alguém não merecedor da democracia. Só por má-fé, ignorância ou incompetência se pode ser reincidente em propostas contendo os mesmos erros.

2. Dirigentes há que deveriam ser mais comedidos nas suas declarações, sobretudo quando se trata de uma verdadeira intromissão em assuntos de um outro Estado que não o seu. Como cidadão não admito que alguém, porque se pensa com poder – diga-se usurpado - e acima de todos os outros se sinta no direito de emitir juízes de valor sobres decisões de uma das instituições democráticas de um outro estado soberano. Há quem saiba ler nas entrelinhas o verdadeiro significado de tal comportamento. Refiro-me ao ministro das finanças alemão, Wolfang Schäuble, que se insurgiu contra as decisões do Tribunal Constitucional. Dispenso-me, como cidadão, de receber lições de um dirigente de um país que tanto deve à Europa e por causa de quem a Europa tanto sofreu. Ao contrário dos estados sob assistência, a Alemanha continua a ser um dos maiores devedores da Europa. Não esqueçamos a História, porque corremos o risco de repeti-la. Bem me regozijaria se houvesse alguém do Governo deste país que tivesse a coragem de pôr esse senhor no seu devido lugar. Os povos, sejam eles quais forem, não merecem dirigentes desta estirpe.

3. Sendo a decisão do Tribunal Constitucional, em parte, previsível e esperada, não se percebe:

  • A posição de virgem ofendida do Governo, nomeadamente do Primeiro-ministro, o qual – assim seria de esperar- deveria ter uma estratégia delineada que não fosse a da terra queimada.
  • A posição da maioria dos comentadores como se tal decisão fosse o obstáculo imprevisível e a decisão completamente descabida e lesiva dos interesses patrióticos. A pátria de que falam não é certamente a minha. Esta atitude é sinónimo de ausência de consciência crítica e de um alinhamento acrítico com o status-quo.
  • A dramatização do Governo, quando a decisão representa apenas 0,8% do PIB e está longe de ser o verdadeiro e principal obstáculo ao delinear de uma verdadeira solução.

4. A crise foi o álibi perfeito para o exército neoliberal fazer uso da sua artilharia pesada no sentido de implementar medidas que de outra forma não teria nem a coragem nem a oportunidade.

5. Os verdadeiros responsáveis pela crise – bancos e especuladores – foram apoiados pelos estados em vez de penalizados ou controlados. Ao contrário, os povos, nomeadamente da Grécia, de Portugal e da Irlanda, foram vítimas da especulação com a dívida pública desses países e os seus estados acabaram por ceder à pressão dos mercados, ficando deles reféns.

6. O regresso aos mercados, embora sendo importante, não é fundamental nem o mais importante numa perspectiva de futuro. Não adianta regressar aos mercados quando estes, assim que lhes der na gana e segundo os seus apetites, a qualquer momento podem de novo lançar o País numa situação de rotura financeira.

7. Muitos, ou pelo menos alguns, dos que moralmente defendem a austeridade, são os mesmos que cinicamente colocam o seu dinheiro a salvo e não se incomodam, nem têm qualquer pejo, em empobrecer o País, colocando os interesses próprios e o lucro acima de qualquer bem colectivo.

8. Existem políticas alternativas à austeridade cega, o que não existe são executores capazes e com coragem de remar contra a maré e as implementarem.

Concluindo, está cada vez mais claro que este Governo tinha uma estratégia neoliberal. E a aparente falta de estratégia para fazer face a uma decisão esperada não é apenas incompetência, mas sobretudo afirmação ideologia que não é a minha nem pretendo para o meu país ou para qualquer outro. Apesar das dificuldades, prefiro uma democracia onde as instituições funcionem e onde não se caia na esparrela de suspender o que quer que seja em nome de interesses pouco claros e cujos objetivos estão bem distantes do bem comum.

Sejam felizes em seara de gente.

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