ERROS DE EXCEL OU ESTUPIDEZ HUMANA?

Parte I

Imagine-se um governo imaginário, de um país também ele fruto da imaginação, que, enclausurado num bunker, governava o país através de planos sofisticadíssimos baseados em modelos, concebidos por grandes especialistas, resistentes a toda a prova. Tudo estava previsto… ou quase tudo. Para esse governo, a realidade, por mais complexa que fosse, estava confinada àquele bunker e toda a sua complexidade cabia nos planos sofisticadíssimos concebidos por doutos especialistas. Certo dia, convencido que estava da sua grande obra, o governo decidiu sair do bunker para admirar a maravilha resultante da sua arte criadora. Ao libertar-se do bunker e dos planos sofisticadíssimos, e para sua grande surpresa, deparou-se com uma realidade aterradora, o país deixara de existir. Na verdade, o espaço físico era o mesmo, mas era apenas isso. Um espaço deserto, sem vida, decrépito, moribundo, completamente abandonado às leis da mãe natureza. O governo desse país imaginário, confrontado com tal cenário, só então percebeu que os seus governados apenas existiam, enquanto números, nos seus planos e modelos sofisticadíssimos, porque a realidade era que não governava coisa alguma. O governo tinha acabado com o país porque não havia percebido que as pessoas não são confináveis a um qualquer plano, por mais sofisticado que seja, e que elas representam muito mais que números e fórmulas estatísticas. O governo desse país imaginário ao não perceber que a sua maior riqueza eram as pessoas que o habitavam, acabou por o destruir.

Parte II

Não será dramático, nem representaria mal de maior, existirem estudos ou teorias que mais tarde se descobre conterem erros ou estarem completamente erradas. É assim que a ciência evoluiu e continuará a evoluir, e o que hoje é tido como verdadeiro poderá não mais sê-lo amanhã. Trata-se de um processo natural de procura e aproximação à verdade e nada terá de errado. Haverá certamente estudos mais cuidados do que outros, uns com erros mais grosseiros outros com erros disfarçados ou mais subtis. Autores com graus de credibilidade diferentes perante os seus pares e perante o público em geral; autores mais ambiciosos e facilmente «vendáveis» e outros mais dedicados à sua «ciência». Tudo isto faz parte da evolução das diferentes teorias das diferentes áreas.

O que já não será natural, e muito menos aceitável, é que se transforme a teoria ou um mero estudo, por melhor que aparente ser e por mais dignos que sejam os seus autores, numa verdade dogmática e absoluta à prova de qualquer outra construção. A este tipo de comportamento, nada científico e de total ausência de bom senso, o único título que lhe assenta na perfeição é o de estupidez ideológica.

Parte III

A cegueira ideológica não pode ser desculpa para tão grande tacanhez, subalternidade e, diga-se, estupidez. Como será possível alguém, que temos como informado e tecnicamente competente, apostar todas as suas cartas num modelo que nem sequer havia sido testado? Como foi possível ignorar todas as outras vozes, algumas bem avisadas, negar qualquer outra alternativa e transformar um estudo que, como qualquer estudo é sempre uma visão, em verdade absoluta? Uma das qualidades que define um bom governante é a sua capacidade em olhar a realidade e, a partir dela, encontrar respostas que contribuam para o bem comum e que tenha a visão de projetar essas soluções no futuro. Um bom governante não governa a partir de modelos, mas com base na realidade. Caso contrário arrisca-se, fechado no bunker, a governar um país que não existe.

Desta malfadada história, cujas consequências se devem à estupidez humana e não aos erros de uma qualquer folha de excel, podemos extrair algumas conclusões.

1. Existe da parte de alguns economistas e de uma certa escola económica, que aliás domina estes nossos tempos, uma certa arrogância intelectual que conduz a que elevem a economia ao grau de ciência exata. Há muito que mesmo as ciências exatas deixaram de se erigir como verdades absolutas. Só a estupidez que polvilha este nosso mundo ainda não o percebeu.

2. Existe na economia atual que nos domina uma profunda carga ideológica, disfarçada de ciência, tecnocracia e de falso interesse pelo bem comum, que é veiculada despudoradamente pelos economistas que servem o sistema e que dele se alimentam.

3. Existe um afastamento da realidade ou uma incapacidade de se olhar para a realidade como desafio à procura de novas soluções inovadoras. A economia do sistema e os seus fiéis servidores veem-se atacados por uma espécie de preguiça intelectual e cegueira que lhes tolhem os movimentos e os impedem de se interrogarem sobre o mundo que os rodeia.

As opções nunca deixarão de ser políticas, tenham elas ou não fundamento em modelos matemáticos ou económicos. A aproximação à verdade e a inovação não radicam em certezas, mas nascem das interrogações e das dúvidas que a realidade nos coloca. As certezas, quando elevadas ao grau de verdade absoluta e incontestável, impedem a evolução e a liberdade de opção. E esse é um comportamento próprio das ditaduras que, na verdade, convive bem com a estupidez e a ignorância.

Neste mar de incertezas, sejam felizes em seara de gente.

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