PARA QUE SERVE UMA MANIFESTAÇÃO?


Numa rua de má fama
faz negócio um charlatão
vende perfumes de lama
anéis de ouro a um tostão
enriquece o charlatão
(Canção Sérgio Godinho)

Manifestação
Andam por aí umas vozes, que não apenas as da área governativa, pretendendo desvalorizar o acto de as pessoas se manifestarem com o argumento de que isso nada resolve ou porque não existe um objectivo concreto e palpável. Outros, como Soares dos Santos, dizem que “não vamos lá com Grândolas”, pese embora que esta mesma frase na boca de alguém com conotação revolucionária pudesse ter interpretação bem diferente. E não faltaria gente, vestindo a mesma roupagem de quem a proferiu, que logo viesse à praça pública gritar “aqui d’el rei” que alguém pretende colocar o país a ferro e fogo! Pequenas pormenores de incoerência! Voltemos ao tema da Manifestação.
Primeiro, manifestar-se significa exprimir um sentimento, um estado de espírito. Para que alguém se manifeste não necessita de um objectivo, mas apenas uma boa razão para expressar o que lhe vai na alma, seja positivo ou negativo ou mais ou menos agradável. Se o acto em si – manifestar-se – gera ou não efeito em terceiros e qual o grau do seu impacto é algo que quem se manifesta não controla, nem tão pouco me pareça que deva estar preocupado. Anima-o talvez a esperança de que esse seu acto tenha sobre terceiros algum efeito, mas o essencial é que tenha a possibilidade de manifestar-se.
Mas então, para que pode servir uma manifestação como aquela que eu e muitos outros ontem vivemos?
DSC05777 Ela serviu, em primeiro lugar, para expressarmos o nosso descontentamento, a nossa revolta e a nossa indignação pelo estado a que chegamos e, sobretudo, pelo facto de os governantes parecerem ignorar os anseios de todo um povo e conviverem airosamente, sem qualquer pudor, com a trapaça de que o caso Relvas é um bom exemplo. Em segundo lugar, manifestar-se é a afirmação de que não nos resignamos e que estamos atentos até ao dia de dizermos definitivamente NÃO. Em terceiro lugar, uma manifestação é a expressão colectiva de todos esses sentimentos e, sendo a sua expressão colectiva genuína, ganha uma força que está muito para além do próprio acto, independentemente das motivações individuais de cada um dos manifestantes ou dos vários grupos de interesses.
É evidente – não somos burros, embora por vezes haja quem preferisse que o fôssemos – que a Manifestação em si mesma nada resolve, mas dá voz à expressão individual, dá-lhe um eco e uma visibilidade que individualmente nunca teria. Ou seja, a expressão dos sentimentos individuais ganha uma dimensão colectiva e, caso o ignorem, é assim que se constrói sociedade ou que se começa a desenhar o futuro colectivo, apenas porque nos sentimos irmanados na revolta.
Na minha muito modesta opinião, e ao contrário do que muitos pensam e disseram, esta manifestação teve também um objectivo, apesar de não explícito ou que dele os participantes tivessem consciência. Mais do que atingir o Governo ou provocar o seu derrube - embora seja esse o desejo de todos os participantes – penso que o verdadeiro alvo, mesmo se não nomeado, foi o Presidente da República. A maioria do governo dá-lhe algum conforto, salvo se no seu interior a tensão aumentar de tal forma que a corda parta. A mensagem foi clara: “Não estamos dispostos a continuar a aceitar os desmandos deste governo e dos seus mandantes, a Troika. Tenha a coragem de tomar uma posição.” O que os milhares de manifestantes pretendem, mesmo que não o expressem, é que o Presidente se assuma, de uma vez por todas, como um verdadeiro Chefe de Estado e não como alguém que apenas ocupa um lugar. O Presidente, até pelo número de pessoas que saiu à rua, continuar a fingir que tudo faz ou refugiar-se no seu narcisismo do “eu bem avisei”.
Esta manifestação, estou certo, marca uma viragem, mesmo que não saiba exactamente qual ou da qual ainda não se pressintam os efeitos. Ignorar o seu significado, pode ter como efeito o descrédito total nos políticos e a opção por caminhos de facilidade que, não sendo solução de coisa alguma, apenas contribuem para a destruição do próprio sistema. O caso Beppe Grillo em Itália, apesar das pessoas acharem muita graça, é o exemplo dos riscos que se devem evitar. A ilusão de uma democracia directa apenas contribui para o desacreditar do sistema e para a sua ridicularização com a agravante de dar azo ao aparecimento dos pequenos ditadores. Nenhuma sociedade é sustentável sem as suas mediações e em democracia elas são fundamentais. Pensar o contrário é inconsciência, ingenuidade ou irresponsabilidade travestidas de de revolucionarismo. Para bem da democracia e para que este País possa ainda ter algum futuro, o Presidente não poderá ficar indiferente. E também aos partidos, sejam eles de que área,  caberá retirarem as devidas ilações e, de uma vez por todas, repensarem profundamente a sua forma de estar e construírem o futuro colectivo.

ALGUMAS FRASES DOS MANIFESTANTES

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Deixa passarEu estou na ruapara o governo derrubar.
Assim não vai dar
sempre os mesmos a pagar.
Somos muitos mil
Para defender Abril.
Quanto mais calados
Mais roubados.
A Saúde é um direito
Sem ela nada feito.
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Não vivi acima das minhas possibilidades.
Vivo sem possibilidades.
Viverei com que possibilidades?
Aqueles que esquecem o passado
Estão condenados a repeti-lo.



Sejam felizes em seara de gente.

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