PAÍS SEM MÉRITO!

O pior que pode acontecer a um país é os seus governantes não terem qualquer visão de futuro e se limitarem a gerir – e mal – as incidências do presente. Assim, a tecnocracia sobrepõe-se à política, transformando o acto nobre de governar em exercícios meramente contabilísticos não arriscando ou ousando a discussão de opções sobre o futuro. E as opções, quaisquer que sejam, são sempre políticas: umas com capacidade transformadora e outras mera gestão do quotidiano. Mas as opções em si mesmas são sempre políticas. Em tempos de crise esta questão é ainda mais pertinente, pois exige-se dos governantes visão de futuro e opções claras que permitam aos cidadãos descortinar no horizonte os alicerces de um futuro sustentável. Ou seja, que se tenha a percepção de que os sacrifícios e esforços que hoje nos exigem não são gratuitos, mas que fundamentam um futuro que se pretende diferente, mais justo, equitativo e, por isso mesmo, melhor. Mesmo que esse futuro já não nos pertença. Melhor, não significa aqui semelhante ao que era antes, mas sobretudo mais justo e equitativo, já que a noção de justiça e a consciência que dela temos é fundamental na construção colectiva dos povos. Olhando para o que tem sido a actuação do presente governo, difícil se torna descortinar medidas – uma única que seja – que aponte para um horizonte futuro que pretendamos atingir e que, em nome desse futuro, estaremos dispostos aos maiores sacrifícios. Pelo contrário, este governo tem-se empenhado, e com afinco, em destruir qualquer veleidade colectiva, pequena que seja, de construção de qualquer sonho que não seja a visão míope e estreita da contabilidade quotidiana. Dir-se-ia que o País é governado como se de uma pequena mercearia se tratasse. Infelizmente para nós, nem as contas de merceeiro eles acertam! E assim, vão esses falsos merceeiros colocando em risco os alicerces do Estado democrático que levou, com erros evidentemente, quatro décadas a construir. O que têm para nos oferecer, além de muito pouco, é mesmo muito mau. Pior ainda, dizem-nos que isso é justo.

Como alguém ousa, se em seu perfeito juízo, enunciar sequer a possibilidade de uma descida do salário mínimo? Pois é, alguém ousou e esse alguém foi precisamente o Primeiro Ministro deste País. E logo em seu auxílio vieram os acólitos dos mercados e de ideologias pouco claras garantindo a pés juntos de que o País só terá futuro se à escravidão voltar. Há pessoas neste país que ainda não perceberam que o único serviço que poderiam prestar à pátria que tanto dizem amar era o de se remeterem definitivamente ao silêncio. Começa a ser insuportável um certo pedantismo intelectual travestido de saber. Estes pequenos factos atestam o quanto é ideológica a estratégia – ou ausência dela - deste governo.

Se exemplos fossem necessários para ilustrar o que atrás foi escrito, o facto de haver estudantes a quem negaram a bolsa por os pais serem devedores das Finanças e/ou da Segurança Social é bem ilustrativo da ausência de estratégia e falta de definição de prioridades que permitam alicerçar o futuro. Esta questão, para além de mostrar a forma displicente como  se encara a educação e de esconder uma certa moralidade ditatorial de crime e castigo, faria corar de vergonha qualquer um governante de um ´qualquer país tido como civilizado. Mas estas são as mesmas pessoas que depois nos vêm falar em mérito e oportunidades. Aliás, tenho para mim que quem muito fala em mérito ou se sente injustiçado ou pretende justificar o lugar ou estatuto que ocupa. Há gente com muito mais mérito do que muitos daqueles que o apregoam para quem o reconhecimento é bem mais do que o falso mérito. Quando se tem um Relvas no governo e se faz questão de o manter, estamos conversados quanto ao mérito ou desmérito.  E se nos déssemos como exercício analisar o percurso de alguns dos que ocupam alguns cargos neste país, muito haveria a dizer sobre esta nossa meritocracia. Aliás, penso que o mérito é um dos mitos do liberalismo que serve para justificar o seu carácter selectivo e, simultaneamente, afastar o sentimento de culpa por excluir outros. Tenho para mim que o mérito faz parte do ADN de uma sociedade liberal e individualista e não de uma sociedade solidária e responsável.

Ainda a propósito de méritos, cabe aqui lembrar que este é um dos argumentos, nomeadamente do Presidente da República, quando se refere como sendo positiva a imagem do País no exterior como sendo justificativo do trabalho governativo. Na verdade, penso que ninguém terá dúvidas sobre o facto, mas a verdadeira questão não reside apenas na forma como os outros nos vêem. Primeiro importa saber quem nos olha, a forma como nos olha e que imagem pretende que adoptemos. Segundo, importa indagar se a imagem que construímos para terceiros é na verdade a imagem que pretendemos ou se é apenas um jogo para satisfazer os interesses de terceiros. Ensina-nos a experiência que quando alguém constrói uma imagem em função de terceiros, acaba, mais tarde ou mais cedo, por ruir. Esqueceu o essencial, o que era realmente importante, em nome de interesses imediatos e ilusórios. Sabemos como na maioria das vezes é extremamente difícil se erguer de novo, juntar os cacos de um futuro ilusório que nos foi insinuado por quem mais tarde acabou por nos abandonar. O mesmo se passa com os países. A imagem positiva que outros fazem de nós só é válida se genuína de ambas as partes. Que importa construir uma imagem à medida do que outros pretendem se, à primeira oportunidade, dependendo dos interesses do momento, ela deixará de ser válida?! Por isso tenho alguma dificuldade em entender esta hipervalorização da nossa imagem no exterior como sendo mérito do trabalho do governo (só em parte verdade), quando a nossa verdadeira imagem é a de um país acabrunhado, em profundo sofrimento e quem dizem que o seu destino é empobrecer. Este tipo de discurso, em alguns aspectos, assemelha-se à lógica da propaganda dos estados ditatoriais. Pouco me importa se a imagem que outros têm de mim é positiva se o mesmo destino é sucumbir sob o peso dessa mesma imagem.

Para quem nos governa, assim como para aqueles que louvam a nossa imagem, este é um País sem mérito que apenas merece o castigo da austeridade e do empobrecimento. Felizmente, são cada vez mais os que se dão conta de tamanho logro.

Sejam felizes em seara de gente. E já agora, gente que mereça o nosso esforço.

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