A TROIKA DE TRÊS PONTOS
1. Causa-me algum arrepio a forma como algumas mentes liberais – que por sinal desconfio desfrutarem de algumas mordomias – se indignam pela existência de um Salário Mínimo, já que o mesmo retira, tanto a patrões como a trabalhadores, liberdade de negociação e opção. Como se as premissas da liberdade do direito de opção fossem iguais para ambas as partes! Se outras razões não houvesse – e há várias – que justificassem a existência de um Salário Mínimo, seria suficiente um olhar atento sobre o comportamento da nossa classe empresarial. A existência de um instrumento regulador deste tipo é também revelador – diria mesmo, sobretudo revelador – do tipo de classe empresarial que é a nossa e da quase ausência de consciência social e tacanhez na forma como encaram as relações laborais. Aqueles que se preocupam com a existência de um Salário Mínimo como obstáculo à liberdade negocial , deviam antes preocupar-se com a formação da classe que tanto defendem e com a mudança de comportamento. Liberdade de negociação não é afirmação do poder do mais forte. Não é por acaso, e independentemente da crise, que Portugal sempre teve uma percentagem elevada de pobres que estavam inseridos no mercado de trabalho. Será que esses mesmos que se indignam com a existência de um Salário Mínimo se indignam também com esse facto? Por outro lado, essa mania, a que chamo complexo de país subdesenvolvido, de pretendermos ser como os outros e nos compararmos a eles, embora apenas naquilo que nos dá jeito, mostra o quanto somos falhos em argumentação e espírito crítico, e apenas acentua a nossa dificuldade em construir algo de verdadeiramente nosso, embora a partir da reflexão sobre outras experiências. Somos peritos em copianço, apesar de nem sempre o façamos da melhor forma. Bom seria que a classe empresarial não necessitasse de um Salário Mínimo indigno. Se dele necessita e se contra ele se indigna é porque estão longe de merecerem os trabalhadores que têm.
2. Já seria tempo de Alemanha entender algumas muito pequeninas coisas, as quais podem mudar a Europa para melhor se percebidas e assumidas ou para pior se arrogantemente ignoradas ou desprezadas.
- A Alemanha já recebeu muito da Europa e esta nunca deixou de ser solidária;
- A Europa já pagou demasiado por causa dos desvarios da Alemanha;
- É tempo da Alemanha (e outros países do Norte) se mostrar mais solidária para com a Europa e perceber que as suas escolhas económicas têm efeitos nas economias dos países parceiros e que, por isso mesmo, seria indispensável que houvesse maior articulação de políticas;
- Que a sua política cega assente nas exportações não é única e que existem outras vertentes às quais é necessário dar atenção, nomeadamente às tensões sociais latentes no país e que poderão explodir a qualquer momento;
- Que a sua visão sobranceira e arrogante alimenta sentimentos xenófobos em relação aos países do sul (gastadores, mal comportados, preguiçosos…);
- Que apesar da Alemanha (o povo alemão) ser um dos grandes contribuintes da Europa, são muitos os dividendos que retira dos programas de assistência aos países do sul e que os próprios bancos alemães lucram com isso.
Se a Alemanha compreender e interiorizar estas pequenas coisas sem importância, até pela influência que terá noutros países do Norte, estou certo de que o futuro da Europa será mais risonho, apesar das dificuldades. Caso contrário, assistiremos a uma lenta e penosa desagregação, a um reaparecimento de sentimentos xenófobos, a um exacerbar doentio do sentimento pátrio, o que, tudo somado, poderá despoletar o reaparecimento de conflitos latentes e ao empobrecimento e decadência definitiva da Europa.
3. Penso que ultrapassámos o limite da razoabilidade do admissível a um governo e aos executores da sua política. A um governo, qualquer que ele seja e independentemente das condicionantes, exige-se que governe a bem do povo que o elegeu, ou seja, que administre com seriedade e mestria o bem comum, potenciando os instrumentos à sua disposição e propondo outros que lhe permitam enaltecer o desígnio para o qual foi eleito. E é sua obrigação, em nome de quem o elegeu, procurar os compromissos possíveis. Essa devia ser uma das suas prioridades. É admissível o erro e faz parte da condição humana. O que não será admissível é a persistência no erro invertendo por completo a escala de valores, ou seja, transformar o erro no seu contrário, a verdade absoluta, porque não existe outra. O grande problema do governo, criado pelo próprio, e a desconfiança. Já ninguém confia, nem os seus pares. Quem erra tanto perde a autoridade para propor o que quer que seja, porque deixou de ser credível. Chegados ao ponto que chegámos, é tempo de bater o pé e dizer muito claramente à Troika: BASTA. Porque se o governo é culpado, a Troika não é inocente e escusado será vestir-se com a túnica de virgem arrependida. Ninguém acredita. De alguma forma, mesmo se indirecta, nós também pagamos os seus salários. Não é possível continuar a exigir sacrifícios quando não existe qualquer horizonte de esperança e quando as pessoas percebem, por mais que os governantes afirmem o contrário, de que estamos caminhando para um buraco do qual não sairemos tão cedo. Afirmemos perante a Europa a nossa indignação e afirmemos claramente qual a linha, doa a quem doer, que não estaremos dispostos a ultrapassar. Há gente a enriquecer com as nossas desgraças, que o governo seja cúmplice é não apenas vergonhoso, mas indigno de nos representar. É caso para perguntar: E AGORA SR. PRIMEIRO MINISTRO?
O governo americano apresentou queixa contra a agência de rating Standard & Poor’s. A agência é acusada de ter defraudado os seus clientes (alguns a favor de outros) atribuindo notas excelentes a produtos que ela sabia representarem risco elevado. No denso dossier baseado em correio interno, é revelado que a agência cobrava entre 500 000 a 750 000 dólares para classificar cada produto tóxico, dos mais simples aos mais sofisticados. Esta mesma «Ética» é defendida por muitos daqueles que neste país e pela Europa exibem as suas credenciais de especialistas.
Liberalismo no seu melhor! Infelizmente para nós, no seu pior!
Sejam felizes em seara de gente.
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