DO 25 ABRIL AO 1º DE MAIO: O DESAFIO DO FUTURO

1º Maio | Chicago | Manifestação 1886
Porque vale a pena festejar e celebrar o 1º de Maio, tal como se festejou o 25 de Abril? Podem ser diversas as respostas a esta pergunta, dependendo não apenas do quadrante político em que nos situamos, mas também da visão que temos do futuro e da percepção que temos da História ou da consciência que temos dela. Em primeiro lugar, o celebrar tais datas é o reconhecimento àqueles e àquelas que nos precederam pelo legado que nos deixaram e do qual as gerações presentes são depositárias. Em segundo lugar,  e uma vez que somos seus depositários, importa não apenas preservar a memória, mas sobretudo projectar essa memória no futuro, o que significa passar o testemunho à próximas gerações e continuar a lutar por esse legado, aprofundá-lo e torná-lo inovador face aos problemas do presente. Não se podem por em causa os direitos adquiridos das classes mais fragilizadas quando parece existir direitos intocáveis nas classes que detêm o poder, seja ele político, económico, financeiro ou outro. Enquanto questionam os direitos adquiridos de uns, arrogam-se o direito de decidir sobre os seus próprios direitos e dar-lhes um sentido natural enquanto os outros parecem ser contra natura. Aliás, parece existir uma confusão: os direitos não foram adquiridos, foram conquistados, na medida em que são o resultado de lutas de gerações e de muitas pessoas em todo o mundo. Não se trata apenas de um legado nacional, ele é também europeu. A decisão dos hipermercados de estarem abertos no 1º de Maio - segundo me constou - é o maior desrespeito por aqueles que tanto contribuem para os seus lucros. Continuem a esticar a corda e depois venham queixar-se de que a carga caiu!
Voltando ao 25 de Abril, quero aqui deixar algumas notas sobre a polémica das cadeiras vazias nos festejos oficiais no Parlamento. Para que fique claro, na minha opinião, existem nas democracias dois pilares fundamentais: o funcionamento e o respeito pelas instituições democráticas, sendo o Parlamento uma das mais importantes, e uma Sociedade Civil consciente, influente e actuante. Estejamos ou não de acordo com os eleitos e a forma como o foram, é importante que se respeitem as regras democráticas, caso contrário estamos a dar azo a que os que não se revêem no sistema democrático se aproveitem das suas fragilidades. Necessitamos de uma Sociedade Civil forte e consciente, diversamente organizada, que seja influente e actuante e com capacidade de vigilância e de reflexão crítica. Podemos não estar de acordo com a forma de eleição, com a forma como os eleitos desempenham o seu mandato - e temos certamente razões de queixa -, mas essa nossa revolta não deve significar o desvalorizar o papel das instituições e o seu papel numa democracia. O que importa é que a Sociedade Civil seja capaz de encontrar formas que influencie e «obrigue» os eleitos a dignificarem o povo que representam. Infelizmente, estamos longe ainda de uma Sociedade Civil capaz de assumir plenamente o seu papel.
Do que atrás afirmei se deduz que não estou de acordo com a posição de Mário Soares e dos representantes da Associação 25 de Abril de não estarem presentes nas cerimónias oficiais organizadas pelo Parlamento. Não afirmo que não tenham razão nas críticas formuladas, mas apenas na forma como as afirmaram. Por outro lado, a não concordância - normal em democracia - não me dá o direito de tecer sobre os intervenientes qualquer juízo de valor. Aliás, desejo também aqui sublinhar a dificuldade que esta maioria tem em conviver com a divergência e de como os discursos ou comentários revelaram um enorme desrespeito pelo ideário de Abril, ou seja, pela liberdade de discordar. Uma coisa é não estar de acordo e fundamentar a discordância, outra bem diferente é sobre os intervenientes tecer-se comentários ou arvorarem-se nos verdadeiros defensores da democracia minimizando ou desvalorizando o papel dos outros.
Não deixa de ser preocupante, e até perigosa, uma certa arrogância não assumida, diria dissimulada, que muitos membros do governo e da maioria patenteiam. É exemplo, para além de alguns comentários que tendem a vulgarizar-se, a falta de atenção, displicência ou menosprezo com que tratam os parceiros sociais, a oposição e os portugueses em geral. A formam como falam da crise e das suas consequências na vida das pessoas, ou a ausência de atenção - mínima que fosse - aos desempregados, ilustram esta minha preocupação. Estou convencido, e cada vez mais, que a crise foi para eles uma óptima desculpa, pois o que estão a fazer foi precisamente o que sempre pretenderam. A ligeireza com que se tomam algumas opções e a despreocupação pelo seu impacto na vida das pessoas e no futuro do País são assustadoras. O abdicar do futuro estratégico do País (imagine-se o que acontecerá, por exemplo, num incidente diplomático com a China?!) deve-nos alertar e colocar de sobreaviso. Já chega de culpar os outros, ou seja, o PS e Sócrates como sendo os únicos responsáveis do momento que vivemos. A título de exemplo, deixo aqui alguns factos que todos parecem esquecer.
1. O abandono de sectores estratégicos da economia (pescas, agricultura, alguma indústria...) a troco de milhões não foi devido a Sócrates ou ao PS.
2. Não foi o PS que desejou a intervenção da Troika, aliás talvez tenha sido o único a fazer tudo para que tal não acontecesse. Poderemos questionar-nos se o PEC IV seria ou não suficiente - a Europa acreditava que sim - ou se resolveria os problemas, ou ainda se o governo de Sócrates tinha condições para o executar... Todas essas interrogações são legítimas... quanto ao resto... cada um que retire as suas ilações.
3. É verdade que o principal (porque também houve outros) negociador do memorando da Troika foi o governo de Sócrates, mas em situação de grande fragilidade porque a isso o obrigaram (os que agora ocupam o poder) e num curto período de tempo. Mas não esqueçam que muitos foram os intervenientes.
4. O memorando foi assinado por três partidos, entre os quais dois estão no Governo, e não apenas pelo PS.
5. Foram os que agora estão no poder que impediram que algumas das políticas propostas pelo PS, nomeadamente durante o primeiro mandato, tivessem sequência e minimizassem alguns dos problemas.
6. Foi no governo de Sócrates que se fez uma reforma da Segurança Social que, não sendo ideal nem suficiente, a tornou um pouco mais sustentável.
7. O aumento das exportações de que tanto se fala devem-se ao trabalho desenvolvido pelos governos de Sócrates. O trabalho do actual governo só mais tarde produzirá resultados. Recordam-se da campanha contra o Magalhães? Vejam o que significa hoje a empresa Sá Couto e o Magalhães no mercado do sector! Para além das repercussões que terá em muitos das crianças que a ele tiveram acesso.
8. A qualidade hoje reconhecida da nossa investigação, de que são exemplo os diversos prémios, muito deve ao trabalho dos governos PS, nomeadamente ao trabalho desenvolvido por Mariano Gago.
Não nego, e penso que esse não é o caminho, que o PS cometeu muitos erros, e alguns muito graves, mas pretender atribuir-lhe todas as responsabilidades é má-fé, irresponsabilidade, desconhecimento da realidade ou incompetência. Na verdade, o problema é mais profundo e trata-se essencialmente um problema de valores éticos, sobretudo das classes que detêm o poder. A promiscuidade existente entre Estado, Empresas, Escritórios de Advogados, Consultoras... que ora trabalham e aconselham o governo, ora defendem os interesses privados... sendo as Parcerias Público Privadas o exemplo perfeito. Atente-se no recente caso do estudo sobre a energia entregue ao ministro e duas horas depois estaria nas «mãos» do Presidente da EDP; ou o caso Catroga ou o caso António Borges ou ainda, da área PS, o caso Jorge Coelho. As vias de comunicação entre o poder económico, financeiro e o Estado são autênticas auto-estradas e sem portagem! Verdade seja dita, além da inexistência de valores éticos, existe também muito bandido de colarinho branco sempre à procura da melhor forma de espoliar o Estado. Ou seja, todos nós.
Ao contrário do que por aí se diz, penso que estes senhores nem sequer bons alunos são face à Troika, pois quem faz apenas o que lhe mandam sem se questionar ou contrapropor apenas pode aspirar à mediocridade. Nunca nos sentimos tão ludibriados, porque não se trata apenas de mentir ou omitir verdades, mas sim de pretenderem transformar um País, empobrecendo-o, em nome de uma ideologia, dissimulando os intuitos e os objectivos, utilizando a crise como desculpa.
Por tudo isto, e agora ainda mais, valeu e pena festejar o 25 de Abril a ainda mais valerá a pena festejar o 1º de Maio. Festejemos Abril a cada momento e exijamos que o 1º de Maio se cumpra todos os dias, que seja uma exigência permanente do direito ao trabalho, ao salário digno, já que é através do trabalho que nos sentimos cidadãos participantes na criação de riqueza da Sociedade que também é a nossa.
Sejam felizes em seara de gente e festejem o 1º de Maio como sendo o início de um futuro que será nosso também.


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