FINALMENTE PODEMOS DORMIR DESCANSADOS!

1. Finalmente poderemos dormir descansados, foram aprovadas as alterações ao Código do Trabalho e o défice está salvo! Estamos definitivamente na rota certa, o aumento da produção será de tal forma que, a partir de agora, corremos o risco de nos tornarmos excedentários. Quanto ao aumento da produtividade é problema de pouca monta, já que o que importa é a quantidade ao custo da china. Um dia destes acordamos todos com os olhos em bico! Isto se o tempo de descanso não for também ele sujeito a imposto, mesmo se indirecto: retira-se-lhe mais umas horas que os tempos não estão para preguiçosos! Como não tenho como ignorantes os doutos peritos que nos governam, concluo que de ideologia se trata. Como diria Elena Lasida (autora do livro «Le Goût de l'Autre. La crise, une chance pour réinventer le lien») argumentar a não aprovação de um projecto ou o não seguir determinada via por falta de recursos, é apenas uma forma simpática de nos dizerem que essa não é uma prioridade. E nestas questões de ideologia, as opções e as prioridades definem de forma clara o mundo em que pretendemos viver. Pena é que haja tanta gente distraída. 

2. Refém de uma herança socrática pouco simpática e de um memorando que as circunstâncias - embora para elas também tenha contribuído - lhe impuseram, o Partido Socialista continua a querer fintar o presente na esperança de vir a vislumbrar algum futuro. De tanta finta e malabarismos acaba por se fintar a ele próprio e enredar-se num labirinto no qual terá dificuldades em encontrar a saída. Na verdade, as lideranças fortes marcam de tal forma as organizações - pelo melhor e pelo pior - que acabam por esvaziá-las e esgotá-las. O PS não é excepção, antes fosse! Preferível seria, de uma vez por todas, que no debate interno - democrático, aberto e sem qualquer tipo de pudor ou constrangimentos - se assumisse colectivamente a herança socrática. Assumir os erros, mas sem deixar de valorizar o que de bom foi executado. Os erros e a teimosia do último mandato não podem ocultar o que foi feito durante o anterior mandato. As exportações, por exemplo, de que tanto hoje se fala e tanto jeito nos dão, devem-se ao trabalho desenvolvido por governos anteriores, porque os resultados do actual só mais tarde verão a luz. Por outro lado, importa sublinhar que as exportações são também resultado do trabalho e do investimento feito a montante, nomeadamente no apoio à investigação e a projectos que, apesar dos erros cometidos, produziram os seus frutos e criaram um ambiente propício ao despoletar de outras iniciativas. Se olharmos hoje para o reconhecimento internacional de alguns dos nossos investigadores e para a expansão e internacionalização de algumas empresas da área das novas tecnologias, teremos certamente um outro olhar sobre a nossa história recente. Para rematar diria que estaríamos hoje um pouco melhor se em tempos as opções e as prioridades tivessem sido outras e estaríamos talvez um pouco pior se algumas das opções e prioridades assumidas não o tivessem sido. Portanto, quanto a responsabilidades estamos conversados.
Porque as responsabilidades cabem a muitos, nomeadamente àqueles que agora ocupam o poder. A História tem o seu tempo e não é redutível ao tempo dos mandatos ou à memória de conveniências várias. Outros receberam milhões da Europa, os quais desbarataram em opções e prioridades cuja factura hoje também pagamos. Assumir a nossa própria história - com todas as suas contradições e incoerências - permite-nos confrontar, sem qualquer tipo de amarra, os outros com as suas próprias opções e prioridades. Importa apressar o passo, porque amanhã podemos ter um país sem retorno.

3. Não deixa de ser preocupante, diria mesmo inquietante, que no momento em que na Europa se desenham futuros merecedores de debate e reflexão, os nossos governantes não tenham - ou envergonhadamente não o expressam - qualquer pensamento sobre o assunto que não seja o de limitarem-se a cumprir acriticamente as «ordens» de terceiros. Infelizmente também o maior partido da oposição - refém de si próprio - vai caindo no engodo de que um dia tudo se há-de resolver. No momento em que se pretende impor o «Pacto Orçamental», tratado sobre a estabilidade, a coordenação e a governação na União no que toca à política económica e orçamental, seria no mínimo exigível que as suas implicações na vida dos povos fossem discutidas e reflectidas. Aliás, é pouco compreensível que a Europa, ou melhor, os neoliberais que nos últimos anos a têm comandado e que também eles são muito responsáveis pelo estado em que nos encontramos, nada tenham aprendido com a crise que se iniciou em 2007. Imagino que até tenham retirado ilações, mas as opções e as prioridades, quando se trata de ideologia, definem bem quais os interesse em jogo. E, lamento afirmá-lo, os interesses que me parecem defender não são os mesmos que eu gostaria de ver defendidos. Se eu, que me identifico como europeu, desejo uma Europa solidária, não entendo por que razão não podem os Estados entreajudar-se. Muito menos entendo que os mesmos estados se sujeitem à disciplina financeira dos mercados e estejam impedidos (desde Maastricht) de se financiarem através do Banco Central Europeu, obrigando-os a recorrer aos mercados e sujeitarem-se aos seus apetites especulativos! Não percebo essa obsessão de, a qualquer custo, pretender reduzir o Estado a coisa nenhuma a não ser sujeitá-lo aos interesses dos mercados financeiros e dos accionistas gulosos, pouco interessados com o desenvolvimento e bem-estar dos povos, mas muito ávidos dos seus chorudos «prémios». Os Estados, limitado o endividamento, vêem-se limitados nas suas estratégias de investimento público. Para além de, no caso de necessitar de ajuda, se ter que sujeitar a regras drásticas definidas pela Comissão, pelo BCE e pelo FMI. Que por sinal têm dado provas de grande sabedoria na gestão da actual crise. E os Estados, obrigados a financiarem-se nos mercados, continuarão a ser escravos da gula dos especuladores. E assim se constrói a Europa. E assim se constrói a Solidariedade.

Sejam felizes em seara de gente e, se possível, durmam descansados, mas não deixem que vos adormeçam.

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