PRODUÇÃO: GANHAR TOSTÃO OU MILHÃO

São muitos os que na praça pública sobre a crise discorrem não se inibindo de apresentar as mais diversas soluções, embora muitas delas pecando pela falta de inovação ou fazendo homenagem à preguiça mental. Imagino que sejam muitas as interrogações que tanto discurso nos coloca, sobretudo quando procuramos entender a mensagem para além das doutas palavras. Dizem-nos que é necessário aumentar a produtividade. Nada contra, pois aí estaremos todos de acordo. Em nome desse aumento de produtividade obrigam-nos a trabalhar mais umas horitas ! E há quem esfregue as mãos de contente e pisque o olho a tão sábia decisão. Que diabo, o País precisa! O País merece! É verdade, embora a mim me pareça que haja muitos que não mereçam o país ou sobretudo a  gente deste nosso palmo e meio de terra e de muito mar. Calma aí porque agora a dança é outra.

Se me convocarem para um aumento da produção porque os tempos assim o exigem, eu até posso alinhar! Mas se me dizem que é preciso aumentar a produtividade à custa do meu esforço, eu aí desconfio. Não sendo entendido na matéria, recorro ao meu bom senso e a umas leituras sobre o assunto para facilmente perceber que andam uns não sei quantos senhores - e senhoras, porque na trapaça não existe distinção de género ! - a tentarem a enganar-nos ou a fingirem passar pela crise à nossa custa. É sabido que se pode aumentar a produção sem que tal signifique aumento de produtividade. Basta para isso aumentar o número de trabalhadores para que o milagre aconteça. Se forem quase de borla tanto melhor, pois assim não só se aumenta a produção como também os milhões dos coitados que realmente trabalham, ou seja, os que não podem pagar impostos! Por vezes isto pode ser enganador, pois o nível de vida pode aumentar sem que haja ganhos de produtividade, basta que haja mais gente no mercado de trabalho ou que haja capacidade de atracção de capitais externos. A entrada das mulheres no mercado de trabalho, por exemplo, teve, em parte, esse efeito. Mas voltemos à tão badalada produtividade que não é mais que a medida da capacidade de produção. Trata-se do rácio entre o que sai (output, o produzido) e o input, ou seja, tudo aquilo que foi necessário para chegar ao output, ao que saiu. A forma mais fácil - e mais conveniente para alguns - é o rácio entre o produzido e o número de horas necessárias àquela produção. Estamos a falar da capacidade dos trabalhadores produzirem. E quando ouvimos falar na baixa produtividade do nosso país, é certo que os discursos se referem a esta forma simples de a calcular. Dá realmente muito jeito a alguns, mas não aos trabalhadores. E está-se sempre a comparar os trabalhadores portugueses com os de outros países ou com trabalhadores portugueses trabalhando noutros países. Em termos de produtividade os trabalhadores em Portugal ficam sempre a perder, são sempre os piores. Acontece porém que os discursos não dizem toda a verdade, porque se assim fosse temo que quem ficaria mal visto não seriam os trabalhadores mas os dirigentes. 
Avancemos então um pouco mais na produtividade. Todos sabemos que para produzir o que quer que seja é necessário um pouco mais do que tempo de trabalho. Significa isso que para medir da produtividade é necessário, para além das horas de trabalho, contar com os materiais utilizados, o capital investido, horas de funcionamento das máquinas, etc. Mas, para além de tudo isso, importa também entrar em linha de conta com outros factores como sejam a inovação, a organização e a capacidade de gestão. E aqui é que a porca torce o rabo, pois esta é conversa que não agrada aos gestores. Eles até são dos mais bem pagos da Europa! A formação e especialização podem, por exemplo, ser factores determinantes para o aumento da produtividade desde que a organização e forma de gestão saiba tirar partido. As máquinas podem ser obsoletas ou necessitarem frequentemente de reparações, os operários podem não ter formação suficiente para trabalharem com essas máquinas, pode haver desperdícios nos materiais utilizados na produção, a forma de organização pode ser exageradamente burocrática e pouco flexível, os turnos podem estar mal planeados, as chefias podem não saber tirar o melhor rendimento dos subordinados ou ocupá-los com tarefas inúteis... Poderíamos continuar a lista, servindo apenas para mostrar que na medida da produtividade existem muitos outros factores tão ou mais importantes que as horas de trabalho. Para não falar de outros factores externos como, por exemplo, a política de transportes de um país que podem ou não favorecer ganhos gerais de produtividade.
É por isso que tenho alguma dificuldade em compreender os discursos e que ganhei o mau hábito - e por vezes admito que seja injusto - de desconfiar da maioria deles. A desconfiança é ainda maior quando se sabe que existem estudos internacionais que apontam a organização e a gestão como sendo das principais causas da baixa produtividade do nosso país. Aliás, o exemplo da Autoeuropa é muitas vezes apontado, mas esquecem-se do essencial: formação dos trabalhadores, organização, forma de gestão que pressupõe a participação dos trabalhadores nas tomadas de decisão.
Não resisto a transcrever algumas palavras de Mário de Jesus, da Direcção da Associação Fórum de Reflexão Económico e Social, publicadas no jornal «Vida Económica» de 14/10/2011.

Blog de sempadrinhos :SEM PADRINHOS, TJ-SP investiga desembargadores por baixa produtividade
"Os portugueses têm alguma dificuldade em identificar elites, pelo que chegamos à conclusão de que estas são inexistentes. Relativamente, por exemplo, às elites empresariais, alguns empresários de referência têm-se destacado pela adoção de modos de funcionamento e liderança muito autocráticos, muitas vezes discutíveis. Parte da sua riqueza tem assentado num ou em vários destes factores: pagamento de baixos salários, fuga aos impostos, falta ou atraso nos pagamentos aos credores, contribuindo para o surgimento de uma atitude imoral de incumprimento no que respeita à assunção das suas responsabilidades sociais, desvirtuando assim as regras do mercado e contribuindo para o insucesso de outros. Importa assim que as elites se assumam enquanto referências de cidadania e que as elites empresariais assumam a sua responsabilidade social".
Percebe-se por que razão quando se fala em produtividade apenas se refere uma parte, ou seja, a mais fragilizada e aquela que, porventura, dará menos dores de cabeça aos senhores da gestão. É a diferença entre ganhar tostão ou ganhar milhão com a produção. A justiça e a equidade também se joga na produtividade.
Tentem ser felizes na indignação.


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