CORROSÃO DA DEMOCRACIA
A corrosão da democracia faz-se pela chamada “corrosão
por pites”, por cova, o que significa que ela vai actuando em pontos
específicos, os mais vulneráveis. A degradação da democracia nunca acontece de
forma intempestiva ou de uma forma uniforme, mas é antes um processo lento e
gradual até ao ponto em que se torna perigosamente visível e corrosiva e, de um modo geral,
nesse momento já será demasiado tarde, porque irrecuperável. Isso acontece porque vão aparecendo pontos vulneráveis e algumas portas que, por razões diferentes, se vão deixando entreabertas. Talvez por isso seja tão difícil ao cidadão comum perceber quais as portas que vão ficando entreabertas ou quais os pontos de corrosão e das correntes de ar ou danos que vão provocando. Ao não possuir toda a informação ou, se a tem, saber se é informação fidedigna, para além de ter um sentido crítico sobre a mesma é tarefa cada mais mais difícil e complexa. Por outro lado, o instinto de sobrevivência (o momento) leva-o a ir atrás do discurso demagogo e populista porque no momento lhe apresenta as soluções que lhe parecem evidentes face aos problemas vividos e necessidades sentidas. Como o horizonte do instinto de sobrevivência é imediato e não a prazo, isso arreda qualquer tipo de interrogações ou sentido crítico sobre esses discursos. Assim, o cidadão comum torna-se um bom receptor desse tipo de discurso vivendo a ilusão da sobrevivência e da segurança.
Conscientes dessa realidade, caberia aos que detêm poder, seja a que nível for ou seja qual for vertente desse poder, a responsabilidade de contrariarem essa realidade, ou seja, não deixarem portas entreabertas ou cuidarem dos pontos em que a corrosão pode incidir. Neste grupo estão sobretudo os políticos, os comentadores e os jornalistas. Além dos professores se pensarmos ser a educação um veículo de transformação.
Deixa-me perplexo, mesmo irritado, a ligeireza com que se tratam alguns assuntos, entre os quais a subida ao poder de pessoas pouco recomendáveis, sendo disso exemplo Trump, Bolsonaro, ou Viktor Orban, embora num plano diferente, embora não menos grave. Começa logo com o discurso desculpabilizante, muito próprio a muitos comentadores, de que uma coisa é o discurso de campanha e outra o que na prática irão fazer ou a forma como irão governar. Não perceber, independentemente do que farão ou não enquanto governo, o que um discurso desse tipo pode introduzir na sociedade, abrindo brechas e feridas, despoletando os piores sentimentos do colectivo, é de certa forma ser conivente com as suas consequências. É como se alguém apelasse ao crime e ao ódio, mas sem nunca cometer qualquer crime. A condenação de tais atitudes não começa após a eleição, mas antes, ou seja na forma como foi conseguida, pois é fórmula semelhante que perpetua os ditadores no poder. O mesmo acontece com alguma esquerda no que toca a Maduro na Venezuela. Não sejamos hipócritas, os interesses movem-se em ambos os lados, mas o controlo é sempre mais fácil quando se promove e vive em democracia. Aliás a diplomacia dos países, seja qual for o país, tem sempre em primeiro plano os interesses próprios e só depois, caso não haja consequências para aqueles, é que se colocam na mesa os interesses, digamos, mais "humanistas e democráticos". Não há política ou interesses, venham eles de onde vierem, que possam justificar o sofrimento de um povo.
Importa não esquecer que aquilo que é hoje a Frente Nacional em França - e este é apenas um exemplo - teve início com o aparecimento de pequenos grupos sem importância nos anos 80 do século passado com a política anti-imigração promovida pelo presidente de então, Giscard d'Estaing. Esta foi uma grande porta que se abriu, ao que outras se seguiram, e que nunca mais se fechou. A Aliança, sempre perigosa, entre desemprego/imigração/minorias étnicas/crime e delinquência, ao colocar uns grupos contra outros, abre portas que dificilmente se voltam a fechar. A complacência ou a condescendência com que a Europa tem tratado Orban - e outros - é uma outra porta que perigosamente se abriu.
Também em Portugal há portas que se vão abrindo e pontos de corrosão que começam a tornar-se evidentes. Eu não pertenço àqueles que dizem não se correr o risco do aparecimento da extrema direita em Portugal. Pelo contrário, penso que os riscos, através do populismo fácil, mesmo de alguns partidos parlamentares, abre portas demasiado perigosas. Vou, sem grandes considerandos, enumerar algumas das portas perigosamente abertas.
1. Aparecimento de novos partidos com um discurso claramente populista e/ou de extrema direita, mesmo que os próprios e os comentadores o neguem. Dir-me-ão que não têm expressão, ao que eu respondo "por enquanto";
2. Degradação da linguagem institucional. Esteja-se atento à forma como alguns deputados e partidos se referem, por exemplo, ao Primeiro Ministro. Para não falar da linguagem utilizada entre deputados, muitas vezes vazio de ideias e argumentos, mas sobrando em calúnia e maledicência. Tudo isto revela um grande falta de respeito (mesmo educação) pelo outro, pelas instituições e pela democracia;
3. A facilidade e a ligeireza com que os meios de comunicação social tratam os assuntos, sem grande sentido crítico ou reproduzindo o "popularmente correto" indo muitas vezes atrás das redes sociais;
4. A degradação dos serviços públicos, nomeadamente a saúde, que fragiliza as pessoas que mais necessitam e recorrem a esses serviços e abre espaço a discursos populistas e reivindicações que confundem os diversos planos;
5. A crescente onda reivindicativa, ultrapassando fronteiras pouco aceitáveis para o que se pretende ser uma boa gestão do bem comum e da solidariedade colectiva.
6. A falta de projectos comuns a prazo, por mínimos que sejam, dando ideia de que os interesses partidários e a sua agenda se sobrepõe às necessidades e timing dos cidadãos.
7. Um Estado cada vez mais refém de interesses que não os das pessoas a quem devia servir, pouco cumpridor e no qual se possa confiar.
8. Grande promiscuidade de interesses seja a nível dos deputados, seja a nível governativo, seja ainda nas relações entre o tecido empresarial e os vários poderes.
9. Uma consciência de exercício da cidadania muito débil (basta ver o que as pessoas pensam sobre a corrupção e a forma como pouco ou nada as incomoda votar em alguém tido como corrupto ou, no mínimo, com uma conduta que levanta dúvidas).
10. Programas televisivos degradantes, em nome das audiências, que uma sociedade civilizada se deveria recusar a ver. Isto para não falar em alguns espaços de notícias em que a falta à verdade e a falta de critérios éticos e deontológicos são demasiado evidentes. O único lema que parece nortear estes "profissionais" é "quanto mais sangue, melhor".
11. Existe uma conflitualidade latente entre grupos, declarações às vezes demasiado emotivas e pouco reflectidas que, quando empoladas pela comunicação social, podem ter consequências bem mais graves.
12. Há causas que apesar de aparentemente louváveis assentam às vezes em teorias e pensamentos pouco recomendáveis. E disto pouca gente se dá conta. Eu não gosto quando se pretende que as sociedades sejam demasiado "clean", ordeiras e sem espaço para a loucura e a transgressão na justa medida. Eu quero sociedades livres em que as pessoas possam optar.
Poderia continuar e enumerar as muitas portas que se foram abrindo, mas esta amostra é suficiente para que percebamos que devemos estar alerta. Importa estar atento a alguns sinais de radicalização da sociedade.
Há momentos na vida em que a opção sem qualquer justificação é o único caminho possível. É preciso ter a coragem de optar sem qualquer constrangimento de cor política. É simples, basta dizer NÃO, independentemente dos considerandos, os quais, em última análise, só servem para desculpar e nos tornam cúmplices.
Tentem ser felizes em seara de gente.
Conscientes dessa realidade, caberia aos que detêm poder, seja a que nível for ou seja qual for vertente desse poder, a responsabilidade de contrariarem essa realidade, ou seja, não deixarem portas entreabertas ou cuidarem dos pontos em que a corrosão pode incidir. Neste grupo estão sobretudo os políticos, os comentadores e os jornalistas. Além dos professores se pensarmos ser a educação um veículo de transformação.
Deixa-me perplexo, mesmo irritado, a ligeireza com que se tratam alguns assuntos, entre os quais a subida ao poder de pessoas pouco recomendáveis, sendo disso exemplo Trump, Bolsonaro, ou Viktor Orban, embora num plano diferente, embora não menos grave. Começa logo com o discurso desculpabilizante, muito próprio a muitos comentadores, de que uma coisa é o discurso de campanha e outra o que na prática irão fazer ou a forma como irão governar. Não perceber, independentemente do que farão ou não enquanto governo, o que um discurso desse tipo pode introduzir na sociedade, abrindo brechas e feridas, despoletando os piores sentimentos do colectivo, é de certa forma ser conivente com as suas consequências. É como se alguém apelasse ao crime e ao ódio, mas sem nunca cometer qualquer crime. A condenação de tais atitudes não começa após a eleição, mas antes, ou seja na forma como foi conseguida, pois é fórmula semelhante que perpetua os ditadores no poder. O mesmo acontece com alguma esquerda no que toca a Maduro na Venezuela. Não sejamos hipócritas, os interesses movem-se em ambos os lados, mas o controlo é sempre mais fácil quando se promove e vive em democracia. Aliás a diplomacia dos países, seja qual for o país, tem sempre em primeiro plano os interesses próprios e só depois, caso não haja consequências para aqueles, é que se colocam na mesa os interesses, digamos, mais "humanistas e democráticos". Não há política ou interesses, venham eles de onde vierem, que possam justificar o sofrimento de um povo.
Importa não esquecer que aquilo que é hoje a Frente Nacional em França - e este é apenas um exemplo - teve início com o aparecimento de pequenos grupos sem importância nos anos 80 do século passado com a política anti-imigração promovida pelo presidente de então, Giscard d'Estaing. Esta foi uma grande porta que se abriu, ao que outras se seguiram, e que nunca mais se fechou. A Aliança, sempre perigosa, entre desemprego/imigração/minorias étnicas/crime e delinquência, ao colocar uns grupos contra outros, abre portas que dificilmente se voltam a fechar. A complacência ou a condescendência com que a Europa tem tratado Orban - e outros - é uma outra porta que perigosamente se abriu.
Também em Portugal há portas que se vão abrindo e pontos de corrosão que começam a tornar-se evidentes. Eu não pertenço àqueles que dizem não se correr o risco do aparecimento da extrema direita em Portugal. Pelo contrário, penso que os riscos, através do populismo fácil, mesmo de alguns partidos parlamentares, abre portas demasiado perigosas. Vou, sem grandes considerandos, enumerar algumas das portas perigosamente abertas.
1. Aparecimento de novos partidos com um discurso claramente populista e/ou de extrema direita, mesmo que os próprios e os comentadores o neguem. Dir-me-ão que não têm expressão, ao que eu respondo "por enquanto";
2. Degradação da linguagem institucional. Esteja-se atento à forma como alguns deputados e partidos se referem, por exemplo, ao Primeiro Ministro. Para não falar da linguagem utilizada entre deputados, muitas vezes vazio de ideias e argumentos, mas sobrando em calúnia e maledicência. Tudo isto revela um grande falta de respeito (mesmo educação) pelo outro, pelas instituições e pela democracia;
3. A facilidade e a ligeireza com que os meios de comunicação social tratam os assuntos, sem grande sentido crítico ou reproduzindo o "popularmente correto" indo muitas vezes atrás das redes sociais;
4. A degradação dos serviços públicos, nomeadamente a saúde, que fragiliza as pessoas que mais necessitam e recorrem a esses serviços e abre espaço a discursos populistas e reivindicações que confundem os diversos planos;
5. A crescente onda reivindicativa, ultrapassando fronteiras pouco aceitáveis para o que se pretende ser uma boa gestão do bem comum e da solidariedade colectiva.
6. A falta de projectos comuns a prazo, por mínimos que sejam, dando ideia de que os interesses partidários e a sua agenda se sobrepõe às necessidades e timing dos cidadãos.
7. Um Estado cada vez mais refém de interesses que não os das pessoas a quem devia servir, pouco cumpridor e no qual se possa confiar.
8. Grande promiscuidade de interesses seja a nível dos deputados, seja a nível governativo, seja ainda nas relações entre o tecido empresarial e os vários poderes.
9. Uma consciência de exercício da cidadania muito débil (basta ver o que as pessoas pensam sobre a corrupção e a forma como pouco ou nada as incomoda votar em alguém tido como corrupto ou, no mínimo, com uma conduta que levanta dúvidas).
10. Programas televisivos degradantes, em nome das audiências, que uma sociedade civilizada se deveria recusar a ver. Isto para não falar em alguns espaços de notícias em que a falta à verdade e a falta de critérios éticos e deontológicos são demasiado evidentes. O único lema que parece nortear estes "profissionais" é "quanto mais sangue, melhor".
11. Existe uma conflitualidade latente entre grupos, declarações às vezes demasiado emotivas e pouco reflectidas que, quando empoladas pela comunicação social, podem ter consequências bem mais graves.
12. Há causas que apesar de aparentemente louváveis assentam às vezes em teorias e pensamentos pouco recomendáveis. E disto pouca gente se dá conta. Eu não gosto quando se pretende que as sociedades sejam demasiado "clean", ordeiras e sem espaço para a loucura e a transgressão na justa medida. Eu quero sociedades livres em que as pessoas possam optar.
Poderia continuar e enumerar as muitas portas que se foram abrindo, mas esta amostra é suficiente para que percebamos que devemos estar alerta. Importa estar atento a alguns sinais de radicalização da sociedade.
Há momentos na vida em que a opção sem qualquer justificação é o único caminho possível. É preciso ter a coragem de optar sem qualquer constrangimento de cor política. É simples, basta dizer NÃO, independentemente dos considerandos, os quais, em última análise, só servem para desculpar e nos tornam cúmplices.
Tentem ser felizes em seara de gente.
Comentários
Enviar um comentário