QUE ENSINO PRETENDEMOS?
Veio agora de novo à baila - escaparam-me as razões - a questão das propinas no ensino superior. Para início de conversa e para que conste, na minha modesta opinião o ensino, tanto quanto possível deveria ser gratuito e responsabilizador. Tal como a saúde e outros direitos inscritos na constituição. O ensino deve ser suportado pelo Orçamento de Estado, ou seja, pelos impostos de todos nós, equitativamente colectados e pagos. As propinas são apenas uma parte do custo que as famílias suportam. Aliás, o problema começa logo na infância e na dificuldade em encontrar creches para as crianças. Quando tanto discursam sobre a natalidade, importa que sejam coerentes. Confesso que não entendo a posição de alguns, sobretudo oriundos da direita, que sendo acérrimos defensores do apoio do Estado aos colégios privados são contra a gratuidade do ensino superior. Será que pretendem que aceda ao ensino superior apenas uma elite? O ensino deve, por um lado, ser visto pela sociedade como um investimento dela mesma e não como um custo e, por outro lado, deve ser visto pelo próprio estudante como uma responsabilidade perante toda a sociedade, ou seja, o país. Contudo, sendo esta uma questão importante, outras há bem mais importantes e que estão a montante desta.
Haveria que discutir e definir, por exemplo, uma estratégia de ensino, para todos os níveis, para os próximos anos. Estamos a entrar na era da automação da economia, vivemos um tempo em que nos dizem que temos que ser flexíveis e possuir competências transversais, que temos que estar preparados para trabalhar em equipa e procurar soluções para problemas reais, que a nova realidade informativa e das redes sociais exige que sejamos críticos e tenhamos capacidade de leitura interpretativa desses canais e veículos, etc... E, contudo, os currículos e o ensino continua como se realidade fosse aquela de há meio-século. Pretendemos mais licenciados e doutorados, mas em quê e para quê? Que país pretendemos ser daqui a 30 anos? Ter um ensino com muitas horas curriculares cujo objectivo é depositar nos alunos conhecimento, sem qualquer sentido crítico, à espera que um dia ele se torne rentável, não me parece o melhor caminho. Os alunos, que deviam ser os verdadeiros actores activos não passam de entes passivos. Até porque num mundo que corre a grande velocidade, na maioria das vezes o seu rendimento não é proporcional ao investimento. Importa, por um lado, saber exactamente o que é fundamental que os alunos saibam, desde a pré-primária até ao ensino superior, e, por outro, introduzir a transversalidade no ensino das várias matérias. Não se pode ensinar português através da história, da ciência ou da filosofia? Não podem as aulas ser planeadas por professores de diferentes áreas e na sala estar mais do que um professor? Não podem ser implementadas as tutorias e diminuir o número de horas em aula? Não podem ser desenvolvidas estratégias que promovam o trabalho em grupo e não a competitividade individual?
Tudo isto seria possível desde que se soubesse o que ensinar e como ensinar e desde que se preparassem os professores para ensinarem de uma outra forma e que lhes fosse dada a possibilidade - e fossem valorizados por isso - de inovar. Preferimos continuar a assobiar para o lado até ao dia em que nos iremos dar conta de que é demasiado tarde.
Contudo, algumas competências há que sabemos serem importantes, já que o mundo actual assim o exige: capacidade crítica, liderança, trabalho em equipa, capacidade de adaptação a diferentes tarefas e instrumentos que o permitam, leitura crítica dos media e redes sociais, comportamentos colaborativos, etc... Se sabemos que estas são competências cada vez mais necessárias porque esperamos? A transformação está aí e temos forçosamente que nos preparar. O ensino tem que ser visto como um todo e dele depende, em grande parte, o futuro do nosso e de qualquer país.
Tentem ser felizes em seara de gente.
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