UMA CRISE SEM FIM À VISTA

Vivemos, neste momento, uma situação política que tem tanto de insólito como de patético. Quase duvidamos que esta seja a realidade ou se estaremos a acordar de um pesadelo do qual ainda não despertamos. Outros perguntar-se-ão se estamos realmente num país europeu ou se estaremos num qualquer lugar recôndito onde o insólito passou a norma. Temos um Primeiro-ministro que embora formalmente continue a sê-lo, na realidade já deixou de o ser. Infelizmente para todos nós só ele ainda não percebeu ou se porventura se deu conta, então o caso é ainda mais grave, pois perdeu qualquer pingo de dignidade que no meio da turbulência ainda lhe pudesse restar. Mas dignidade parece ser qualidade que não faz parte do vocabulário desta classe que finge brincar os governos, porque se assim não fosse também a atual recém empossada – na maior farsa política jamais conhecida - Ministra das Finanças estaria demissionária, já que difícil se torna admitir que tendo sida ela uma das causas, pelo menos aparente, da atual crise, aceite pacificamente acatar ordens de quem contra ela esteve. São jogos demasiado complexos cujos objetivos obscuros me escapam por completo. Para completar o cenário faltava-nos um Presidente da República que da cartola retirasse, por artes mágicas adquiridas á pressa, uma qualquer solução mirabolante. E não é que retirou mesmo?! O problema é que deve ter confundido a varinha ou a cartola e o truque de mágica acabará por certo com a sua curta carreira de ilusionista. Aliás, tenho mesmo sérias dúvidas que ele próprio tenha percebido o truque. O problema é que o Presidente não só não resolveu a crise, como ainda a agravou. E não apenas por não ter dissolvido o parlamento e convocado eleições, mas sobretudo por ter proposto uma solução ilusória - imagino que para salvar a sua própria pele - que pode ter como consequência a desagregação dos partidos. Como pode ele convocar para um acordo de médio prazo partes desavindas e com desacordos profundos quanto à política a seguir e pretender juntar a esse acordo uma outra parte que não está de acordo com nenhuma delas? Como pode o Presidente convocar para um acordo as partes dizendo-lhes que devem seguir o mesmo caminho, ou seja, aquele caminho que até Gaspar reconheceu ser um rotundo falhanço?

A proposta do Presidente tem vários problemas:

1. Convoca para um acordo os três partidos da área do poder, fazendo tábua rasa da representação parlamentar. O Presidente até pode não acreditar em qualquer das propostas dos outros partidos, mas enquanto Presidente é-lhe exigido cultura e respeito democráticos.

2. Se não aceitou a proposta de remodelação governamental que a maioria lhe apresentou, significa que não acredita mais nessa maioria e nos seus líderes. Mas se assim é, por que razão convocar o PS para o acordo?

3. Ao marcar previamente eleições antecipadas para Junho 2014, o Presidente abriu prematuramente a campanha eleitoral. Como pretende ele que os partidos cheguem a um acordo sabendo que nenhum deles – e muito menos o PS por maioria de razão – quererá assumir a derrocada de tal política. Porque, verdade seja dita, o PS não assinou o memorando em vigor, pois nunca foi convocado para o que quer que fosse e menos ainda para as alterações ao memorando inicial por aqueles que empunharam o estandarte de «ir além da Troika». Que grande malabarismo, passou grande parte da sua mensagem a justificar a não convocação de eleições no momento atual, esquecendo-se de justificar por que continua ele a apostar nos partidos da coligação, e acaba por convocá-las para um momento cuja situação ele não antevê.

Quanto ao Presidente, aparentemente parece ter salvo a pele: caso não haja acordo, pode sempre dizer (como ele gosta) que tudo tentou e que não tem culpa se os partidos não se entendem; no caso de haver acordo, ficará com os louros de ter descoberto a solução. Só que este ter salvo a pele é mesmo aparente ou virtual. Primeiro, porque se pretendia os consensos deveria ter feito por isso em devido tempo, quando o governo foi desbaratando as oportunidades e o Presidente na sombra o apoiou. Segundo, porque continuar neste caminho é cavarmos cada vez mais fundo a nossa sepultura e não tardará haverá uma outra crise com consequências muito piores que as atuais. Terceiro, porque nada daqueles que são os objetivos ou os pressupostos deste suposto acordo vai ser possível: não vamos voltar aos mercados e vamos ter que continuar com um programa de assistência, embora em moldes diferentes, não vai ser possível fazer a reforma do Estado num período tão curto e, finalmente, a contestação e a origem da próxima crise irá surgir no seio dos próprios partidos. E aqui reside um grande risco para a democracia que é a desagregação dos partidos da área do poder. Para quem tinha uma interpretação minimalista dos seus poderes, é obra.

A única solução é dizer muito claramente BASTA. NÃO QUEREMOS este memorando. NÃO QUEREMOS continuar a alimentar a usura dos credores. NÃO É POSSÍVEL pagar a dívida nas atuais condições. NÃO É POSSÍVEL o Banco Central Europeu (BCE) apenas fingir que é um Banco Central. A única via é romper definitivamente com esta política e com todos aqueles que, de uma forma ou de outra, a sustentam.

Sejam felizes em Seara de Gente.

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