FALSO COZINHADO OU INGREDIENTES FORA DE PRAZO?
Muitos dos economistas comentadores da praça tornaram-se as estrelas de rock de um espetáculo político degradante, sinal da decadência das elites que governam este e outros países, sejam elas políticas, económicas ou oriundas de um outro qualquer poder oculto que por aí abundam. É confrangedora a incapacidade para pensarem o país para além dos quadros mentais instituídos, dominados pelo poder financeiro, os quais, afinal, também são os seus. E dizem-nos eles ser a economia uma ciência! Caso acreditemos, a única conclusão plausível é que é servida por péssimos cientistas. Continuar a pensar e a projetar o futuro num quadro que sabemos não ser possível e que será, no mínimo insustentável, caso não se rompa com a lógica de um mercado especulativo que se julga o motor do desenvolvimento dos países, é prova da decadência mental em que a maioria se deixou enredar. Com esta elite dificilmente o nosso país terá futuro. O tão propalado regresso aos mercados, para além de ser um engodo, é uma das grandes falácias que tanto jeito – e milhões – dá a alguns. Culpar, como o faz a direita,o governo de Sócrates pela situação a que o País chegou, é negar a evidência histórica e, mais grave, recusar a construção de um futuro em que o País se reveja e não apenas umas pinceladas, mal feitas, de um futuro que apenas é pertença de uma minoria. Culpar, como o faz a esquerda, a direita por muitos dos males deste País, apontando para um futuro digno de um quadro de Dali, é teimar em repetir os mesmos erros elevando-os à categoria de verdade insofismável. Não sendo o presente nada agradável, não me parece, se assim continuarmos, que o futuro nos reserve algo de melhor.
Alguém disse – não me recordo quem, mas certamente um dos sensatos gurus da gestão – que os verdadeiros problemas começaram quando as empresas abriram as portas aos consultores externos e os diretores financeiros das mesmas se tornaram verdadeiras estrelas de rock - antes seriam os patinhos feios – mais interessados na especulação e nos chorudos prémios que ela lhes reportava do que no crescimento sustentável das empresas a quem deviam lealdade. Em vez de investidores passamos a ter acionistas gulosos e ávidos de lucro. Apesar de conceitos diferenciados, para os mercados financeiros eles confundem-se propositadamente. Na verdade, quem começou a mandar nas empresas foram os consultores externos, cujos interesses não radicam na empresa, mas fora dela, ou seja, no mercado especulativo. Ora o que aconteceu com o mundo empresarial aconteceu também com os países e o universo da política. Por isso, os países vivem hoje tão dependentes dos mercados e os políticos reféns desse poder que lhes tolhe os movimentos. E há quem se sinta confortável nessa posição e não faltam exemplos neste pequeno rectângulo. Infelizmente, todos nós sabemos onde isso nos trouxe.
Não sei se será possível – presumo que o seja – que passada meia vida de casamento atribulado e repleto de pequenas traições, o casal possa refazer ou renegociar o seu contrato matrimonial e que isso resolva o essencial da sua relação, ou seja, que de um momento para o outro os cônjuges sejam totalmente outros e que todas as suas diferenças comportamentais se esbatam numa segunda oportunidade. Não acredito que tal possa acontecer, sobretudo quando os dois durante meia vida tiveram tantas oportunidades! O que pretendem é apenas manter o seu estatuto e salvar as aparências. E o que conta é a capacidade de dissimulação. Quanto ao resto não há contrato que salve relação tão apodrecida. Ora, é precisamente o que está a acontecer com este segundo fôlego da coligação governamental. Este novo contrato é, na verdade, uma verdadeira dissimulação. Vejamos:
- Alguém acredita na inversão em 180º do rumo político seguido por este governo até ao momento?
- Como se irão articular o Vice-Primeiro Ministro - aliás, o verdadeiro Primeiro Ministro- e a Ministra das Finanças? Um diz NÃO e logo a seguir o outro diz SIM e vice-versa?
- Como vão conjugar a austeridade e a Reforma do Estado?
- Como vão conjugar a austeridade com o crescimento económico do qual de repente se lembraram?
Estas apenas algumas das muitas questões que muitos de nós nos colocamos. Sendo Paulo Portas um político experiente – e em birras, humores ou estados de alma não há quem o bata! – não acredito que tenha aceite construir o seu próprio cadafalso ou ele próprio dar o nó da própria forca, sem que, por antecipação, tenha engendrado um qualquer plano de nos convencer do contrário. Alguém acredita na resistência de um governo cujo Primeiro Ministro se demite das suas principais funções e seja um mero figurante de um filme que se anuncia dramático? Este novo fôlego da coligação é uma espécie de cozinhado que não corresponde ao prato anunciado ou cujos ingredientes estão impróprios para consumo. Por mais especiarias e temperos que se coloquem nunca poderá ser um bom prato correndo com a agravante de se correr o risco de envenenar os convivas. Importa que todos percebam que o caminho de retorno é bem mais curto do que às vezes se imagina.
Sejam felizes em seara de gente.
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