RESPEITEM GENTE QUE É GENTE

1. Confesso que não entendo uma certa desculpabilização do ministro Relvas no caso da licenciatura quando comparado com o caso Sócrates. No presente caso, segundo a opinião de alguns doutos, a principal responsabilidade é da universidade em causa, enquanto no caso Sócrates ele, segundo as mesmas cabeças bem pensantes, era o único responsável, ou seja, o único culpado. Que dizer dos sectores próximos do actual poder que gastaram a voz a vociferar no caso Sócrates e que agora, rabinho entre as pernas, se remetem ao silêncio, não dos inocentes, mas de virgens ofendidas. Enquanto um é um «não caso», o outro um caso de vergonha nacional. Ambos os casos são condenáveis, como já o escrevi, não tanto pelo resultado, mas sobretudo pela forma como foi atingido. Tudo parece muito legal, como se este fosse o único critério de um governante ou de pessoas que ocupam cargos de relevância, sejam eles públicos ou privados. É precisamente por falta de critérios éticos e falta de moralidade que temos os governantes que temos e a promiscuidade ou os rendimentos chorudos em nada os incomoda. Às vezes, pensando nos vencimentos chorudos que alguma dessa boa gente aufere, dou comigo a pensar no que elas teriam de produzir para merecerem tão grande benesse! Mas logo me rendo à realidade e percebo que afinal isso nada tem a ver com produção, mas tão só com especulação e jogos promíscuos de influência.
2. Incomoda-me a posição de alguns conhecidos jornalistas da nossa praça sobre o SNS (Serviço Nacional de Saúde) e sobre os seus agentes, nomeadamente médicos e enfermeiros. Fico com a ideia, porventura errada, que para eles o SNS se confina à estrutura e à forma. Parece, embora admita seja defeito meu, que para eles, sobretudo a forma como o percepcionam, o SNS é o edifício e não quem o ocupa. Esta minha sensação leva-me a desconfiar que essa boa gente não será por certo utente do Serviço Nacional de Saúde, mas da bondosa e eficiente máquina da saúde privada. Aliás, esta última bem mais corporativa nos seus interesses que a outra medicina.  Assim será até ao dia - espero que não aconteça - que as coisas corram mal e o bondoso e eficiente sector privado os encaminhe para o «público», porque quando o «produto» não dá lucro há que rapidamente se desfazer dele. E depois cá estaremos nós para pagar essa eficiente máquina da saúde privada e aturar o vociferar dessa boa gente contra o SNS. Confundir, por exemplo, carreiras com interesses corporativos é não entender nada dessa mesma realidade. Não significa isso que não estejam em jogo também interesses corporativos, como é natural em todas as classes profissionais - basta recordar o comportamento dos jornalistas no caso Moura Guedes para se perceber -, mas confundir ou misturar o que é lateral com o que é essencial é um mau serviço à informação, ao jornalismo e ao país. Se os jornalistas fossem tão avaliados como os médicos e enfermeiros, sujeitos diariamente a uma pressão sem igual (trata-se de vidas), duvido que alguns ocupassem os lugares que ocupam.
3. O apelo do Primeiro-Ministro ao PS é quase patético por tão desesperado. Ele revela alguma inabilidade política, além de alguma hipocrisia, para além de um desespero, apesar de disfarçado, de alguém que sente o tapete fugir-lhe dos pés. Tendo o Memorando sido sujeito, ao longo do último ano, a alguns ajustamentos, sem que para tal o PS tenha sido tido ou achado, só por inabilidade ou desespero se lança um tal repto, sobretudo naquele local e daquela maneira (Parlamento, Debate sobre o estado da Nação). Só a aproximação do Orçamento para o próximo ano e eventualmente a necessidade de medidas extraordinárias para o cumprimento do défice, salvo se sobre a Troika cair um raio de lucidez, podem explicar tais malabarismos. Certamente que o PS se deve sentir responsabilizado por um documento que negociou e assinou, embora em condições que importa não esquecer, mas não tem que se sentir refém ou solidário de uma política que não é a sua. O sentido de responsabilidade tem limites e não pode sentir-se solidário com uma política que é um verdadeiro desastre e que coloca em risco o futuro do próprio País, para além de algumas medidas serem apenas foguetório de uma festa sem santo. 
Sejam felizes em seara de gente e respeitem gente que é gente.

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