E ASSIM NOS TRATAM DA SAÚDE!...

O que está a acontecer, a reboque de uma crise que serve para justificar opções pouco justificáveis e nada aceitáveis, deve merecer de todos o mais profundo repúdio antes que seja demasiado tarde. A saúde ou, melhor dizendo, o Sistema Nacional de Saúde está a ser   , de forma sorrateira, vergonhosamente desmantelado. O intuito parece cada vez mais claro: esvaziar o serviço público de saúde da qualidade que tem sido a sua marca, apesar de muitos nos fazerem crer o contrário e apesar dos muitos problemas que todos sabemos existirem. A verdade é que, e apesar de todos os problemas, os doentes  que a ele recorrem são devidamente tratados, embora possam sempre existir excepções ou erros. Ao contrário, no privado, apesar da aparência, quando as coisas correm mal ou o seguro se esgota, termina o tratamento e são os doentes reencaminhados para o público. E, infelizmente, nestes casos o contribuinte paga o que não deveria, ou seja, os erros do privado ou o que não quer devido aos custos. A saúde das pessoas não lhes interessa, mas a  saúde do negócio é outra conversa!
Como o lema é «cortar, cortar» (diferente de racionalizar custos), as doutas cabeças do ministério da saúde - bem pequeninos!!! - tiveram a original ideia de contratar, não serviços, mas horas ao menor custo para os serviços de enfermagem e serviços médicos. Nem sequer existe a preocupação de saber se o serviço contratado é de qualidade ou não, apenas que seja ao menor custo. Na ideia deles para o serviço público qualquer coisa serve desde que se favoreçam alguns intermediários e se enriqueçam alguns amigos (as empresas que contratam os profissionais para depois poderem prestar os serviços). Ao acabar com a carreira de enfermeiros e médicos hospitalares estamos a introduzir, no mínimo, a mediocridade no serviço público de saúde. E isto nada tem a ver com os seus profissionais, mas apenas com o facto de atentarem à sua dignidade e os impedirem de progredirem na carreira à medida que vão adquirindo conhecimentos, experiência e dedicação ao serviço que seria o seu.
A propósito da manifestação dos enfermeiros, em luta contra a humilhação de um preço/hora de 4 euros, e a recibo verde, o Director da ARS de Lisboa e Vale do Tejo, com o seu ar irónico e cretinamente sabedor, disse não ter nada a ver com o assunto, limitando-se a ARS a defender os contribuintes ao adjudicar às empresas que ofereciam o mais baixo custo. Ficamos a saber que, para este senhor, certamente muito sabedor e tecnicamente excelente, defender os contribuintes é pagar o menos possível, mesmo que os serviços não sejam os melhores. Ficamos ainda a saber, através de tão douta sabedoria, que nem os enfermeiros, nem os doentes fazem parte desse mundo a que ele chama  de contribuintes. Sabedoria governamental no seu apogeu!! Afinal quem definiu as regras não foi o ministério?! Um verdadeiro atentado à dignidade das pessoas! É menos que o salário mínimo. 
Dia 11 e 12 deste mês está prevista uma greve dos médicos, embora o ministro, talvez assustado, já tenha dado a entender que é possível negociar. Talvez pela primeira vez desde há muito este ministro conseguiu unir os médicos. E todos nós nos devíamos unir a eles, pois o que está em jogo é o Serviço Nacional de Saúde, a qualidade dos serviços prestados. O que se propõe é recorrer às empresas prestadoras de serviços médicos (o famoso outsourcing tão querido ao liberalismo) sendo o único critério de adjudicação o menor custo. Tal como nos enfermeiros. A carreira médica é uma carreira longa e exigente no que toca à aprendizagem, sendo o meio hospitalar o local por excelência de formação dos futuros médicos, além do tempo de estudo na universidade. Até um médico ser especialista, mesmo o médico de família, teve que percorrer um longo caminho de aprendizagem, o qual é garantia de qualidade e de minimização do risco de errar (o que pode sempre acontecer). À medida que o médico vai evoluindo na sua carreira, vai-se tornando melhor profissional, independentemente das qualidades que uns terão mais que outros. Com esta medida, o que pode acontecer? Imagine, porque é isso que vai acontecer, que os recém formados que não entrem na especialidade e que têm que fazer pela vida, são contratados «ao menor custo» por essas empresas. Vão exercer medicina sem terem tido oportunidade de terem a formação adequada. Assim ficam os doentes mal servidos, ficam eles mais permeáveis ao erro e ficam as chefias (médicos qualificados) com uma responsabilidade que lhes impuseram de equipas que o não são. Imaginem um serviço de urgência nestas condições! Se algo correr mal, quem serão os culpados? As empresas prestadoras de serviços? Como podem os serviços de um hospital ou de um centro de saúde melhorar se os médicos (ou enfermeiros) estão hoje, aqui, amanhã acolá e no dia seguinte sabe-se lá onde?! Não existe qualquer ligação, são uma espécie de «mercenários» à força! Como podem os doentes exigir o que quer que seja, se nem os profissionais de saúde têm condições para exercerem profissionalmente e com dignidade a sua profissão? Pensem um pouco e vejam onde isto vai parar.
Como tenho do ministro a ideia de tecnicamente capaz, a única conclusão que retiro é que se trata de opções ideológicas perfeitamente definidas e conscientes. Por isso, penso que devíamos apoiar os enfermeiros e os médicos na sua luta. Amanhã pode ser tarde de mais. Este é um problema que a todos diz respeito.
Seja feliz em seara de gente e, de preferência, com saúde. Não fique à espera que as coisas aconteçam, seja também actor de mudança.

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