EFEITO BIG BROTHER

Pessoalmente, acredito que as grandes mudanças, aquelas que marcam definitivamente o futuro, não se operam tanto pela via legislativa - embora seja importante - mas sobretudo através dos movimentos que surgem na sociedade e na medida em que os próprios atores tomam consciência da necessidade da mudança e assumem o risco e a responsabilidade de a levarem por diante. À luz desta minha perspetiva, é bastante preocupante o ambiente que se vive na Justiça, tendo sido dele exemplo os discursos proferidos na abertura do Ano Judicial. Ou, melhor dizendo, o que deles foi publicitado e a fazer fé nos comentadores de serviço. Os intervenientes, os atores da Justiça, parecem ter sido atingidos, também eles, pelo efeito "Big Brother". Gostam que as câmaras incidam sobre eles, não os incomoda que devassem a sua casa (a justiça) e nada fazem - pelo contrário - para impedir os mirones e uma espécie de "voyeurismo social". 
Parecem, pelo menos aparentemente, muito mais interessados em alimentar o seu protagonismo do que empenharem-se na procura de soluções para os graves problemas que assolam a sua casa. Sentem-se bem no papel de atores de um filme cómico-trágico, convencidos de que esse estatuto os coloca no pedestal da imunidade. Tratando-se de um poder independente, pilar de um verdadeiro Estado de Direito, confesso que me causa alguma urticária a existência de um sindicato dos magistrados e dos juízes. Imaginem que o Poder Político se lembraria, também ele, de criar um sindicato?! Presumo que essa falta de compreensão da minha parte se deva à insuficiência de dons que me couberam em sorte.
Enquanto cidadãos têm direito às suas opiniões e opções, mas o que me causa perplexidade é a facilidade e a ligeireza com que misturam tudo isso com a exigência e responsabilidade da profissão que desempenham, e que escolheram, em prejuízo daqueles que era suposto protegerem e defenderem, o povo. É natural, e outra coisa não seria expectável, que as pessoas não confiem na justiça, que dela desconfiem e que se sintam completamente desprotegidas. Diga-se, em nome da verdade (a minha, está claro) que a comunicação social também tem a sua quota parte neste estado de coisas, já que prefere alimentar o "voyeurismo" do que interrogar os atores sobre as suas acções, refletir sobre o que realmente está em jogo e conceder à justiça o tempo que é o seu. É uma comunicação social sem tempo que prefere a imagem aterradora de primeira página do que o esforço da procura da verdade. Mesmo que esse esforço e essa procura seja apenas uma aproximação à verdade, é sempre preferível que a imagem de primeira página.
Finalmente, dois ou três muito breves apontamentos a propósito de lei sobre o enriquecimento ilícito.
1. A importância das leis mede-se pela sua eficácia e não pela sua idealidade formal.Em Portugal parece existir um desassossego em legislar, uma certa fobia à inércia legislativa. Há leis para tudo e para nada - a Europa nesse aspeto também é perita - e o resultado é que aparentemente nada funciona. Quanto mais forem as leis e quanto mais complexas (desejo de atingir o ideal), mais serão os subterfúgios que impedirão que funcionem.
2. Nem tudo a lei resolve. Por um lado, existem princípios e formas de estar em sociedade que são do foro pessoal e, por outro lado, a própria sociedade, por deficiências de funcionamento, aceita certas atitudes e comportamentos desviantes como fazendo parte da norma. A promiscuidade que existe na sociedade portuguesa a diversos níveis, nomeadamente entre o poder político, o poder económico e os grupos de pressão, é exemplo disso mesmo.
3. Os políticos, para não se sentirem tão sós ou para diluírem na multidão a sua eventual «culpa», estenderam a lei a todo e qualquer cidadão. Penso que quando dúvidas existam se deve investigar - e criar mecanismos para que isso possa ser feito sem entraves - mas incomoda-me que a prova seja produzida à posteriori. Trata-se de uma inversão muito perigosa, sobretudo quando falamos de Justiça e se trata de um dos pilares do Estado de Direito e da democracia.
Finalmente, importa que aqueles que ministram a Justiça reganhem a confiança do cidadão, pois sem ela é impossível a justiça funcionar. A lei, qualquer que ela seja, pode não ser perfeita, mas se existe confiança naqueles que a aplicam, alguma coisa se salva e, sobretudo, é possível melhorá-la. Caso contrário, nada se salva e mesmo o já construído facilmente se destrói.
Tentem ser felizes e justos em seara de gente.


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