EUROPA: O QUE NÃO NOS DIZEM


Eu pertenço àquele grupo, cada vez maior creio eu, que pensa não ser mais possível continuar a aceitar, de forma acrítica e negando o nosso dever de cidadania, o estado a que as coisas chegaram e cuja responsabilidade em muito se deve às pessoas que nos governam, seja no País, seja na Europa, mas também ao sistema financeiro que ganhou um poder inaceitável em democracia. Não é por isso de espantar que a maioria dos europeus esteja desiludida com a Europa e os seus dirigentes.

O que eles não nos dizem sobre a crise:
  • Que o resgate na Grécia foi sobretudo devido à pressão dos bancos alemães, franceses e ingleses, e serviu para salvar esses mesmos bancos, já que estavam demasiado expostos à dívida grega;
  • Que a soma do resgate a todos os países (Grécia, Irlanda, Portugal, Espanha) não chegou aos 500 mil milhões de euros e que intervenção nos bancos, para os salvar, foi cerca de 5 biliões de euros, ou seja, dez vezes superior aos países. Ou seja, os contribuintes pagaram para salvar os bancos de uma crise que eles próprios criaram e, além disso, nos países resgatados ainda tiveram que pagar, por erros de avaliação das próprias instituições europeias, por pressão dos próprios bancos e também porque transformaram a dívida dos bancos em dívida dos estados, através de uma austeridade sem igual. As pessoas dos países resgatados foram duplamente penalizadas.
  • Que a dívida da Grécia, ao contrário do que dizem, pode ser reestruturada se a Europa assim o desejar, já que apenas cerca de 10 mil milhões se encontra nos privados, estando a quase totalidade nas instituições europeias.
  • Que a Alemanha, França e Holanda, num dos piores momentos da crise do euro, assumiram o compromisso que os seus bancos apoiariam a Grécia e não venderia dívida grega. Contudo, segundo o jornal El País, os três sócios europeus não cumpriram a sua palavra e aos desfazerem-se dos títulos da dívida grega (em 72%) agravaram a crise. Segundo o mesmo jornal, são dados de Actas confidenciais do FMI.
  • Que o resgate aos países serviu para limpar os passivos dos bancos que estavam demasiados expostos, por avidez de lucro, à dívida dos países mais vulneráveis. O resgate não serviu para salvar os países - os resultados e o estado da economia comprovam-no -, mas para salvar os bancos do Centro da Europa.
  • Que uma reestruturação de dívida não significa não pagamento da mesma, mas apenas adequar o seu reembolso às condições do devedor para que, dessa forma, garanta ao credor o seu total pagamento. O perdão de uma parte da dívida pode ser uma solução se o credor acordar no mesmo e se perceber que essa é a maneira de poder ser reembolsado. Mas essa é apenas uma entre outras soluções.
Começa hoje a ser ideia corrente de que o verdadeiro problema da Europa não é a Grécia ou os outros países resgatados ou com problemas, mas a Alemanha que continua a poupar e a acumular liquidez à custa dos outros países, recusando-se a investir nas suas também frágeis estruturas e a aumentar o seu nível salarial. Isto não significa que nesses países não haja problemas que tenham que ser resolvidos, mas a verdade é que graças à sua política, muito pouco solidária, a Alemanha está a impedir o crescimento da economia europeia. Quem o diz, citado pelo jornal Expresso, é o diretor-geral da maior gestora de ativos do mundo, a BlackRock.
O economista britânico Stuart Holland, citado pela agência Lusa, diz o seguinte: "Temos uma hegemonia alemã que Willy Brandt e Helmut Kohl (antigos chanceleres) não queriam. Eles não queriam uma Europa alemã, mas Angela Merkel que não tem as referências da Europa Ocidental não aceita conceitos como a solidariedade". Stuart Holland referiu ainda que a hegemonia de Berlim face aos restantes países da Europa pode levar a um «IV Reich», numa clara referência à terminologia nazi. 

Martin Schulz, Presidente do Parlamento Europeu, citado pelo Jornal de Notícias,disse: "Estamos a pedir sacrifícios aos cidadãos, aos pais, para aceitarem salários mais baixos, impostos mais altos e menos serviços. E para quê? Para salvar os bancos. E os filhos estão desempregados. Se não mudarmos isso, se não voltarmos a um tratamento igualitário e justo, as promessas feitas pela Europa não serão cumpridas" (...) "Se somos capazes de mobilizar milhões de euros para estabilizar o sistema bancário e temos de negociar com 28 chefes de Estado durante meses e meses por causa de seis mil milhões de euros para combater o desemprego... Compreendo os que pensam que isto não é uma sociedade justa" (ver notícia >>).

Se começa a haver tanta gente a não acreditar nesta Europa, por que razão teimam em continuar a destruí-la? É tempo de dizer basta e de relembrar à Alemanha o quanto a Europa foi solidária com ela no pós guerra e após a queda do muro de Berlim. E, já agora, se tanto se fala em cumprir compromissos, comecem por pagar à Grécia!
É já agora, é tempo de os países dizerem e afirmarem que as decisões não são tomadas em Berlim, mas sim em Bruxelas. Ninguém tem que ir a Berlim ao beija-mão, embora alguns sintam orgulho nesse papel.

Já agora, chamo a atenção para o Livro de Marc Roche, «BANKSTERS - Uma viagem ao submundo dos banqueiros», junção da palavra banqueiros com gangsters. Marc Roche é jornalista belga sediado em Londres há mais de 20 anos, onde tem acompanhado de perto a alta finança na City. Segundo ele, a crise de 2008 é apenas uma amostra do que poderá acontecer a qualquer momento, já que a bomba existe, apenas o detonador está retardado. É também autor do livro « O BANCO - Como o Goldman Sachs dirige o Mundo». E ainda nos falam nos mercados?

Sejam felizes em Seara de Gente.

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