A LÓGICA DO TIO PATINHAS!

A LÓGICA DO TIO PATINHAS
A um ministro, seja qual for a sua área de intervenção ou ideológica, é-lhe pedido que governe em nome e em prol da causa pública, do bem comum, respeitando o compromisso que lhe foi outorgado através do voto. É em nome desse compromisso que qualquer ministro, ou qualquer outro eleito, deve respeito ao povo que o elegeu. Esse é um princípio ético de um estado democrático e ao qual qualquer eleito deve não apenas ser sensível, mas, sobretudo, respeitá-lo. É também em nome desse princípio que o eleito deve ter o cuidado de não ferir a dignidade de quem lhe outorgou o poder. Quando a Ministra das Finanças diz termos os cofres cheios, o que nos permitirá fazer face a eventuais percalços (saída da Grécia do Euro?!), está, de facto, a atentar contra a dignidade de quem a elegeu, não pelo facto das disponibilidades financeiras, mas pelo facto de isso se dever ao empobrecimento do povo que a elegeu. Além disso, essa disponibilidade financeira tem custos em juros e, coisa que ninguém fala, tem custos de inoperacionalidade, ou seja, não tem qualquer efeito na economia por estar parado, não ser investido. A disponibilidade financeira tem um duplo custo: directo (juros) e indirecto por se deixar de produzir caso fosse investido na economia. Também Salazar acumulou ouro, mas nem por isso a vida do povo melhorou ou o país se desenvolveu. Essa é a lógica do bem conhecido herói da banda desenhada, o conhecido Tio Patinhas.

DESEMPREGO: O MILAGRE DAS ESTATÍSTICAS
As estatísticas, embora importantes, nem sempre revelam a verdade ou são indicadores da realidade. Pelo menos, quando delas se faz uma leitura directa e simplista sem qualquer sentido crítico. E todos sabemos como elas dão jeito aos políticos e como as interpretações podem ser diferentes dependendo do ângulo de análise em que nos colocamos. No que toca à descida da taxa de desemprego, sendo à partida um óptimo indicador ele pode, contudo, esconder a realidade. Na verdade, o que importa não é tanto a taxa de desemprego, mas a taxa de criação ou destruição de emprego. Aliás, a taxa de desemprego pode diminuir por terem sido criados empregos ou porque a população activa diminuiu. Sendo o resultado o mesmo, a realidade, como facilmente percebem, pode ser bem diferente e bem mais dramática. É conhecido o discurso da descida do desemprego ao longo do último ano e o governo faz questão de no-lo relembrar. Mas essa é apenas uma parte da verdade, o que, tendo, em conta a parte omitida, acaba por ser uma verdadeira falácia. Que a taxa de desemprego diminuiu é uma verdade inquestionável? Mas será que foram criados mais empregos ou os suficientes que justifiquem essa diminuição tão acentuada ao longo de um ano?
Segundo análise realizada pelo Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra, considerando as diversas formas de desemprego, o subemprego e estimativas pendentes sobre a situação laboral dos novos emigrantes, a taxa real de desemprego situava-se, no 2º semestre de 2014, em 29% da população activa. Isto se os que emigraram tivessem ficado no país. Segundo análise do Barómetro das Crises, entre 2011 até ao 2º semestre de 2013, ter-se-ão destruído 463,6 mil postos de trabalho e, a partir desse período, apenas terão sido criados 37,9 mil postos de trabalho. O Barómetro alerta para o facto de actualmente, e pela primeira vez, os números do desemprego «não oficial» ultrapassarem os números do emprego «oficial». Outros dados:
  • Entre 2007 e 2014 a população activa caiu 392 mil e a população empregada 670 mil, tendo a população desempregada subido 277 mil.
  • Os desempregados de longa duração representam actualmente 65,5% do total dos desempregados, o que significa que a maioria daqueles dificilmente encontrará lugar no mercado de trabalho.
  • O número de desempregados licenciados aumentou, entre 2007 e 2014, de 101%, enquanto nos trabalhadores com o ensino básico terá crescido 28,7%. (Manuel Coelho, Público de 29/03/2015)

Na verdade, e contas feitas, a redução da taxa de desemprego não se traduziu, infelizmente, no aumento do emprego. Por isso, apesar da aparente boa notícia e dos políticos da maioria dizerem que o país está melhor, mas que a melhoria ainda não chegou ao bolso dos portugueses, parte da explicação encontra-se precisamente na não criação de emprego. 
Reconheça-se que o problema não é deste governo, embora a forma como aplicou as medidas em muito o tenha agravado. O problema é muito sério e grave e vem lá bem de trás, porventura quanto trocamos os milhões vindos da Europa, para aplicar em betão, pela destruição de alguma da nossa indústria, da agricultura e das pescas. Quando o país não tem estratégia de desenvolvimento, submete-se aos ditames dos mais diversos interesses.

BRASIL E MANIFESTAÇÕES
Manifestar-se é um direito democrático de expressão colectiva, seja de apoio, indignação, luta, solidariedade ou de qualquer outro motivo. Também as razões pelas quais as pessoas participam são as mais diversas, misturando-se sentimentos nem sempre claros e objectivos também eles muito diversos. Contudo, as pessoas que se manifestam sentem-se irmanadas por um elo comum cujo carácter ocasional, sem amanhã, permite essa união tão multifacetada. Contudo, uma manifestação não deixa de ser a expressão de um sentimento colectivo, mesmo se a consciência que os manifestantes dele tenham não seja a mesma para todos. Sendo um direito do estado democrático, é importante, ou pelo menos seria de esperar, que os beneficiários desse direito tivessem não apenas a noção, mas a consciência de que ao manifestarem-se, independentemente das razões ou objectivos, estão, em primeiro lugar, a afirmar a defesa do estado democrático. Caso contrário seria um contra-senso. Respeitar a democracia, defendê-la, significa, antes de mais, ter consciência da liberdade e dos direitos conquistados, mas também dos deveres. Quem disso não tenha consciência, acabará por ser utilizado por interesses contrários à democracia e, por isso mesmo, acabará por contribuir para a sua fragilização. Por isso me choca que manifestantes apelem a ideais contrários ao direito de manifestação, nomeadamente, apelando ao poder e à ordem militar no caso do Brasil e a afirmação dos partidos xenófobos de extrema-direita na Europa. A ausência de memória ou o esquecimento do passado, muitas vezes promovido pelos governos em nome de uma falsa reconciliação, leva-nos, no presente, a ignorar ou a ser indiferentes às manifestações de exclusão do outro.
Finalmente, há que compreender que todos nós enquanto colectivo, e cada um de nós individualmente, também somos responsáveis pelo estado a que chagaram as coisas seja no que toca à corrupção, seja no que toca à indiferença perante situações de pobreza e de exclusão, na medida em que não fomos capazes, enquanto sociedade civil, de nos organizarmos no sentido de criarmos plataformas de participação e níveis de exigência. Muitos de nós demitimo-nos da democracia, pretendendo dela colher os frutos, mas evitando o envolvimento e sendo coniventes com pequenos actos que estão ao nosso alcance mudar. As democracias são feitas de pessoas e para as pessoas e não uma qualquer elaboração teórica para entreter o povo.
Sejam felizes em Seara de Gente.

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