MENTIRAS QUE NOS CONTAM

Travestidas de verdade ou com roupagem douta e solene, muitas são as mentiras que nos contam e que nós, devido à insistência dos pinóquios ou desistência nossa, acabamos por aceitar como verdades ou com elas convivemos sem nos questionarmos o suficiente. Se não quisermos dar-nos ao trabalho de procurarmos nos pergaminhos da História, é-nos bastamente suficiente o exemplo da crise actual e do momento que as gentes deste país dolorosamente vivem. Deixo-vos aqui algumas dessas mentiras que de tanto serem ditas e reditas acabam por nos soar como verdades absolutas.

1. A sociedade faz parte do mercado e não o contrário e este tem a capacidade, por si só, de ser o motor organizativo daquela. Ou seja, a procura do interesse privado é suficiente para produzir o bem comum sem ser necessária a deliberação e a decisão políticas.

2. O Mercado está antes de tudo relegando para segundo plano a economia, pelo que a redistribuição só tem razão de existir em caso de insucesso do mercado. Mercado e economia são um só e toda a organização societal assenta no mercado.

3. O crescimento e a solução para nossos problemas depende unicamente do cumprimento da meta do défice. Ou seja, quando nada restar apenas podemos crescer. Isto se ainda houver pessoas! A este propósito veja-se o artigo de opinião de Maria João Rodrigues no último Expresso.

4. A sustentabilidade do estado Social depende da diminuição dos seus custos, ou seja, da sua redução ao mínimo. Inverte-se a ordem das coisas, já que a sua sustentabilidade depende da criação de riqueza e não da sua redução ou aniquilação. Uma coisa é a sua  eficiência e eficácia e outra a sua destruição. Substitui-se a ideia da redistribuição pela ideia de caridade.

5. A competitividade das empresas depende quase exclusivamente do factor trabalho. Ou seja, a riqueza de uns assenta na pobreza de outros. Esta mentira conjugada com as anteriores resulta numa sociedade de miséria.

6. O desemprego é solúvel numa sociedade de mercado. A verdade, apesar dos discursos, não é solúvel numa sociedade cuja organização assenta exclusivamente no mercado. Aliás a inovação tecnológica contradiz a própria mentira. O prolongamento da idade da reforma é outra das contradições.

7. Menos Estado não significa necessariamente uma sociedade melhor. Só tem sentido definir as funções do Estado depois de respondermos à pergunta: que tipo de sociedade queremos e desejamos. O contrário é pura demagogia e exercício de retórica.

8. O empréstimo da Troika não é um mero apoio. Mais do que um apoio solidário - o que seria normal numa Europa solidária - trata-se de usura, cuja desgraça de uns é a riqueza de outros.

Não nos iludamos, pois o que para nós é mentira é para outros uma verdade absoluta. Imaginem o resultado de todas estas mentiras combinadas, mesmo se em doses diferentes. Que tipo de sociedade resultará dessa amálgama finamente construída? Pois é precisamente o que está a acontecer e isto é apenas o advento de um futuro que há muito vêm destruindo ou nos vêm negando.

Sejamos felizes em seara de gente, mas não calemos a nossa revoltai de indignados.

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