ESTADO SOCIAL: UMA OPÇÃO DE SOCIEDADE

Teve lugar na Fundação Gulbenkian, no passado dia 10 de Novembro, há precisamente uma semana, o Forum Cidadania sobre o Estado Social. Este evento foi promovido pela Associação 25 de Abril em parceria com alguns centros académicos. A importância destes encontros resulta não apenas da sua interdisciplinaridade, mas também de levar ao grande público o debate sobre questões fundamentais para o futuro da nossa sociedade. Neste espaço pretende-se chamar a atenção para alguns aspectos que me parecem pertinentes e que, por essa razão, importará aqui sublinhar.
1. O Estado Social não se restringe apenas aos serviços conhecidos como dele fazendo parte (saúde, educação, reformas, apoio às populações mais carências  etc...), mas é muito mais que isso, já que ele reflecte a nossa forma de construirmos e sermos sociedade. O estado Social tem sobretudo a ver com direitos de dignidade e direitos de cidadania.

2. O Estado Social é uma opção por um tipo de sociedade, ou seja, ou pretendemos uma sociedade mais solidária, mais justa e inclusiva ou, em vez disso, queremos uma sociedade individualista onde impera a lei do mais forte e onde os mais fragilizados e desprotegidos apenas terão direito aos restos do banquete. Este é um debate profundamente ideológico, o que significa que o Estado Social dificilmente sobreviverá no enquadramento de uma economia liberal. Importa definir muito claramente qual o ponto de partida, porque o ponto de chegada depende profundamente das premissas iniciais.
A este propósito convém lembrar o que o economista João Ferreira do Amaral escreveu, aquando da discussão e votação do "Tratado de Estabilidade, Coordenação e Governação da União Económica e Monetária", o qual estipula o limite de 0,5% para o défice estrutural dos Estados, e que, segundo ele, se trata de uma opção ideológica contra o Estado Social, já que esse limite implicaria uma redução máxima do Estado Social.

3. Sendo o Estado Social uma opção societal, é uma falácia dizer-se que para haver Estado Social é necessário primeiro criar riqueza, ou que não existe riqueza suficiente para o manter. Parece-me que o problema se deve colocar ao contrário, ou seja, uma vez que a nossa opção é o Estado Social, o que podemos e devemos fazer para atingir tal desiderato. É profundamente enganador dizerem-nos que iremos primeiro criar riqueza e que depois logo veremos o tipo de sociedade que pretendemos. Quem profere esse tipo de discurso apenas mostra que está muito mais focado nos seus próprios interesses  do que na construção do bem comum. Este tipo de discurso conduz a um enviesamento do debate e deturpa a discussão. Esta é apenas uma tentativa de esvaziar o debate do seu conteúdo ideológico. Se não definirmos, ou se não for claro para todos, o tipo de sociedade que pretendemos, será difícil perceber o que se entende por Estado Social e nele caberá tudo ou nada, consoante o ângulo de visão.

4. Uma outra patranha que nos é contada, servindo de argumento à sua redução, é que o Estado Social entrou em falência. Este tipo de discurso além de não ser verdadeiro é profundamente ideológico, já que nega à partida qualquer possibilidade de se tentarem encontrar outras formas de financiamento do Estado Social. É hoje claro que o mundo do trabalho, como consequência da inovação e evolução tecnológica se alterou profundamente. Uma consequência óbvia desta evolução é a produção de riqueza recorrendo a um número cada vez menos de mão-de-obra. Acontece que a base de cotização para a Segurança Social, por exemplo, continua a ser o número de trabalhadores e não o volume de negócios ou o lucro. Esta forma de financiamento do Estado Social, além de ser desadequada, é extremamente injusta para as empresas que continuam a apostar no emprego (menos custos para a sociedade) ou que, por razões diversas, não estão nesse patamar de inovação e evolução. Por outro lado, continua a penalizar-se mais o investimento produtivo (que cria emprego e valor acrescentado) do que o investimento financeiro (especulativo e causador de desequilíbrios nas sociedades e nas suas economias). 
Finalmente, importa recordar que o Estado Social teve a sua origem na organização dos próprios trabalhadores no séc. XIX, no seio da Economia Social, e que só mais tarde, através de um Pacto Social e por se pensar que o Estado estaria em melhores condições para assumir muitas das suas funções se transferiu parte dessa responsabilidade para os Estados.

Este é um debate que importa aprofundar, mas devidamente enquadrado e sem qualquer tipo de prurido ideológico. Pretender esvaziar o debate da ideologia é falseá-lo e quem nisso terá mais interesse são precisamente aqueles que pretendem acabar com ele.
Sejam felizes em seara de gente.

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