REABILITAÇÃO DA JUSTIÇA

No que à Justiça diz respeito, há que reconhecer que a última semana tem sido rica em notícias, não apenas pela dimensão dos casos, mas sobretudo pelas pessoas neles envolvidas. Sabendo-se como a credibilidade da Justiça tem andado pelas ruas da amargura, de repente parece assistir-se a um desejo quase obsessivo de reabilitação da mesma. Espera-se, para bem da própria Justiça, que esta obsessão não se transforme em pesadelo e contribua ainda mais para a sua descredibilização. Olhando para o último dos casos, a detenção de José Sócrates, ficamos com a impressão que o caminho escolhido não terá sido o melhor. Guardando os devidos distanciamentos e evitando cair no senso comum de análises odiosas ou apaixonadas, sentimentos extremados que Sócrates sempre despertou, gostaria de sublinhar algumas evidências:
  1. Não se entende e será porventura pouco explicável o aparato da sua detenção no aeroporto, logo à saída da manga.
  2. Parece, a fazer fé em alguns especialistas em direito, não terem sido cumpridos todos os procedimentos e não estarem preenchidos os requisitos que obrigassem à detenção. Mais estranho ainda quando se diz que o Ministério Público estaria convencido de que José Sócrates já saberia que iria ser detido. Se assim é, como explicar o perigo de fuga se ele estava precisamente de regresso ao País?
  3. Será pouco explicável que na operação estivessem canais televisivos e que dois jornais - por acaso próximos do actual governo e com tendência sensacionalista - tenham dado notícias com alguns dados ainda nessa noite. Embora a violação do segredo de justiça seja crime, a justiça não parece preocupar-se muito com o facto, dando azo a que as pessoas sejam julgadas e linchadas em praça pública, passando para segundo plano as suas próprias decisões ou desvalorizando-as. Para quem pretende reabilitar a Justiça, digamos que a forma é assaz tortuosa. Pior ainda, a falta de ética jornalística (alguns deles conhecidos, e não pelas melhores razões, pelo seu passado) dando não apenas a entender uma investigação que não fizeram como assumindo como culpado o detido.
  4. Embora queira acreditar tratar-se de uma coincidência, é estranho que isto aconteça no momento em que o Partido Socialista realizava as suas eleições para escolha do seu Secretário-Geral.
  5. É estranho, salvo a falta de recursos qualificados na Justiça, que o processo tenha sido atribuído ao juiz Carlos Alexandre, o mesmo do caso Freeport, Face Oculta, Vistos Gold, BES, entre outros. Todos os grandes processos vão ter às suas mãos. Nada tem a ver com a pessoa e ainda muito menos com a sua competência, mas admitamos que do ponto de vista do mero esforço humano, isto nos causa algumas interrogações e nos deixa pouco confiantes.
  6. Somos todos iguais perante a Justiça e ela será igual para todos, mas convenhamos que o contexto e as condicionantes de cada um serão diferentes. Tratando-se de um ex-Primeiro-Ministro exige-se, no mínimo, alguma dignidade no cumprimento dos procedimentos. Comparando os procedimentos deste caso com outros recentes, não se entende muito bem as razões da diferença de tratamento. Não quero pensar que haja neste caso, mesmo que seja apenas uma pontinha mínima, de desejo de humilhação ou pequena vingança.
  7. Não entendo que haja jornalistas que violem frequentemente o código deontológico e que nada lhes aconteça enquanto membros da classe. Tanto mais que os mesmos jornalistas quando isso acontece com outras classes, por exemplo médicos, aqui del rei que o mundo está perdido! E não me digam que seria um atentado à liberdade de imprensa, porque que eu saiba qualquer pessoa tem o direito de exercer a sua profissão dentro dos princípios que lhe são próprios.
Quero viver num País onde a Justiça seja clara, transparente, imparcial, que investigue o que deve ser investigado e que julgue quem tem que ser julgado, independentemente do poder ou estatuto. Quero viver num País onde os detidos e/ou arguidos não sejam condenados em Praça Pública e onde a Presunção da Inocência não seja apenas um princípio de retórica. Quero viver num País onde os princípios básicos de separação de poderes sejam respeitados e onde haja capacidade para separar a responsabilidade e avaliação política da responsabilidade e avaliação judicial e criminal. Infelizmente são preceitos que nem sempre, tanto políticos como juízes, nem sempre cumpriram. A existência de um Sindicato de Juízes parece-me uma realidade infeliz e vêm-me à memória as chantagens feitas durante o governo Sócrates. Quero viver num País onde a Justiça seja célere e os cidadãos nela confiem e a reconheçam como um dos pilares da democracia. Infelizmente os exemplos do passado não abonam muito a seu favor. Esperemos, e desejamos, que este caso e outros sejam o princípio de uma verdadeira reabilitação da Justiça, mas para isso é fundamental que os seus agentes - todos - tenham consciência de que há passos, quando tomada uma decisão, que são irreversíveis e que importam que tenham a perfeita noção do muito que está em jogo, ou seja, a própria democracia. 

Sejam Felizes em Seara de Gente.


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