CONDECORAÇÕES NUM PAÍS ENXOVALHADO
1. CONDECORAÇÕES À LA CARTE
A melhor forma de se valorizar e conferir dignidade a prémios é que não apenas os laureados se sintam honrados em recebê-los, mas que o público sinta, mesmo não concordando com a opção, que existe mérito de quem o recebe. Para que tal suceda é necessário que os critérios da escolha sejam claros, exigentes e apresentem coerência ao longo do tempo, independentemente de quem os atribui. Deve evitar-se que a interpretação dos critérios e, por conseguinte, a atribuição do prémio esteja sujeita a interesses que não os objectivos para os quais foi criado. Por isso, como é norma, existem comissões e júris independentes. Isto é válido para os prémios, mas também para as condecorações atribuídas pelo Presidente da República. Este ou outro. Até porque, as condecorações acabam por ser - ou deveriam ser - uma forma de dignificar a República e distinguir aqueles ou aquelas que se distinguiram ao seu serviço. Não compreendo, e sou radicalmente contra, o facto de se condecorar alguém só porque ocupou determinado cargo ou desempenhou tal ou tal função. Neste caso incluo as condecorações aos ex-primeiro-ministros. Nada me incomoda que o actual Presidente não queira condecorar José Sócrates, desde que fosse coerente com as suas opções e não por questões pessoais ou de vingança saloia ou, ainda, por receio da opinião pública, já que se trata de um personagem que despertou tanto ódios quanto paixões. Como disse, não me incomoda e não tem que o fazer. Já me incomoda, e muito, que tenha condecorado Durão Barroso e, ainda mais, com o argumento de altos serviços prestados ao País. Primeiro, porque sendo Presidente da Comissão Europeia, e partindo do pressuposto de que terá honrado o cargo e a função, não cabe nesse desempenho serviços prestados ao País, mas antes serviços prestados à Europa. Mesmo cingindo-nos ao objectivo da função, não me parece que tenha grande mérito no desempenho do cargo. Embora reconhecendo que não teve a vida facilitada e que os tempos foram difíceis, ele acabou sempre por escolher o caminho mais fácil, indo a reboque, protegendo-se e não ousando o confronto e a afirmação da Comissão Europeia a que presidia. Durão Barroso foi a negação do espírito europeu. Para não falar na sua posição e papel, enquanto primeiro-ministro, na guerra do Iraque e a troca do governo de Portugal pelo eldorado europeu, sobretudo sabendo que o seu papel - por isso o escolheram - iria ser o de marioneta articulada pelas mãos dos interesses dos poderosos na Europa. Tal currículo parece-me muito pouco para tão grande distinção. Quanto à meritocracia de que tantos nos falam, estamos conversados!
Caso fosse eu o laureado, facto cuja probabilidade de acontecer é nula, sentir-me-ia honrado por receber a mesma condecoração que foi atribuída a Nelson Mandela, mas sentir-me-ia incomodado por ser a mesma atribuída a Durão Barroso e profundamente envergonhado por ter sido atribuída a Salazar, mesmo se em circunstâncias diferentes.
Todos os Presidentes, uns mais que outros e cada um à sua maneira, mais do que prestigiar a República, serviram-se das condecorações para afirmarem opções, gostos ou reconhecerem os que lhes são próximos. É pena, mas é assim que tem sido. Trata-se de uma espécie de condecorações à la carte.
2. A IDEIA DE EUROPA DA DONA DOROTHEA
A Dona Dorothea é uma cidadã alemã respeitada, profundamente imbuída do espírito alemão de auto-disciplina, organização e uma dose de superioridade em relação aos demais. A ideia que a Dona Dorothea tem da Europa é muito simples: aos auto-disciplinados e organizados, cabe a condução do destino europeu (mesmo que ela não saiba o que isso é), a inovação, os serviços especializados, a gestão da riqueza, porque a sua superioridade é razão mais que suficiente para que assim seja; aos preguiçosos, desorganizados e indisciplinados (leia-se países do sul ou da periferia) cabe fornecer mão-de-obra barata que garanta aos entes superiores a afirmação do seu poder e continuem a criar riqueza que gerem a seu belo prazer. Para a Dona Dorothea solidariedade é vocabulário de gente preguiçosa que se entretém com discussões estéreis em vez de trabalharem. Esta é a sua ideia de Europa. A Dona Dorothea é a mesma pessoa que disse ter Portugal licenciados a mais (segundo dados do Eurostat Portugal dispõe de 17,6% de licenciados, a Alemanha 25,1%, sendo a média europeia dos 28 de 25,3%). Pior ainda, a Dona Dorothea desconhece o que ela própria assinou, ou seja, a Agenda 2020 aponta para uma média de 40% de jovens licenciados. A Dona Dorothea como não conhece o nosso País, não percebe que o que temos a mais é empresários medíocres sem visão estratégica, interessados em meter mais uns tostões ao bolso e, se possível, esmifrar o Estado, ou seja, os contribuintes; o que nos sobre são gestores mais interessados em estatuto e regalias do que em construir projectos a longo prazo; o que prolifera neste país é escritórios de advogados e de consultores que escondem contas e à cata de negócios chorudos com o Estado para depois contestarem em nome de outros litigantes; o que choca é o número de falsários da política, sem visão, sem noção do interesse colectivo, que se estão maribando para a realidade e que apenas pretendem um lugar ou reforma de sonho. Veja-se o discurso de Durão Barroso tentando justificar com a condecoração recebida os seus actos passados e a sua opção pelo eldorado europeu!! Elucidativo!! Finalmente, temos de sobra na Europa políticos medíocres. Infelizmente, não podemos exportá-los, porque se assim fosse seria de bom grado que eu próprio me apressaria a exportar a Dona Angela Dorothea Merkel para terras bem longínquas ou, se fosse possível, para o espaço sideral.
3. UMA EUROPA DE FALSÁRIOS E TRAIDORES
Com o escândalo do LuxLeaks o cinismo europeu, se dúvidas ainda houvesse, atingiu o seu auge. Tanto mais que o actual Presidente da Comissão, Jean-Claude Juncker, quando primeiro-ministro do Luxemburgo, foi peça importante nas benesses às grandes empresas. Por isso, surpresa só o foi para os desatentos, embora agora se trate de suspeitas fundamentadas. É sabido, e defendido pela própria Europa, que o Luxemburgo é uma das principais praças de negociação de títulos não nominais e, por conseguinte, uma plataforma para a passagem para os offshores. É sabido as razões pelas quais Londres é branda com os offshores, sendo a «City» também uma das plataformas de passagem e negociação de títulos; são conhecidas as razões pelas quais as empresas, nomeadamente portuguesas, estabelecem a sua sede na Holanda; são conhecidas as «desavenças» e a pressão de Merkel com a Irlanda a propósito da taxa de IRC (ela lá saberá as razões), não tendo os irlandeses cedido à chantagem. Portanto, a mim só me espanta que a Europa se espante, mesmo se no rol parece também estar incluído o Deutch Bank.
O problema é que esta gente foi construindo, porque é isso que pretende, uma Europa de falsários, traidores do espírito europeu, explorando os países de periferia. Aliás, o escândalo dos alunos nas escolas no Luxemburgo e o facto de apenas 10% chegarem às universidades, é exemplificativo do mesmo espírito, ou seja, vêem-nos como inferiores que não merecem chegar onde os seus chegam. Os pais e os próprios alunos sabem, o tipo de pressões que vão sofrendo ao longo do seu percurso escolar para que optem pela via profissionalizante, mesmo quando se trata dos melhores entre os melhores. E não é apenas no Luxemburgo.
Na verdade, somos um País enxovalhado e há quem se sinta bem nesse papel, porque espera um dia ser recompensado pela sua submissão.
Sejam felizes em seara de gente.
Sejam felizes em seara de gente.
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