E ASSIM VAI O PAÍS...
1. A ARTE DE BEM GOVERNAR
Um país não é uma entidade subjectiva, mas um território cujos habitantes lhe conferem determinada identidade. Um país não existe sem as pessoas que o construíram e fizeram ao longo da sua história desse território uma entidade real e não abstracta. Vista por este prisma, a arte de bem governar significa, antes de qualquer outro objectivo, cuidar das pessoas que conferem identidade ao país. Cuidar das pessoas deve ser, pois, a primeira das preocupações de qualquer governo, sobrepondo-se a qualquer outro objectivo ou interesse. Um governo que se preze não deve ser subserviente ao ponto de colocar em questão o bem-estar, a dignidade e a auto-estima dos seus cidadãos e cidadãs. Um governo só merecerá o respeito dos seus cidadãos e cidadãs se, em momento algum, ousará colocará em dúvida os cuidados devidos às pessoas que são o país.
Não me parece que o actual governo seja o governo do meu País. Mais me parece o governo de uma pessoa, O Presidente da República, mas não o governo dos cidadãos e cidadãs deste País. Quando um governo assenta a conquista do poder e o acto de governar na mentira e no profundo desprezo pelos cidadãos mais fragilizados, não merece o respeito de ninguém. Como diz o povo «Só se respeita quem se dá ao respeito».
2. PAÍS DE SACANAS
Tal como escrevia Jorge de Sena, este é realmente um país de sacanas. O caso BES é apenas mais um caso das muitas sacanices que neste país se vão tecendo. Neste país prolifera a falta de ética e a imoralidade. Pior ainda, a imoralidade é de tal forma que não faltam por aí os moralistas de ocasião a quem a crise conferiu o direito à moralidade. Os nossos empresários, tão amigos do país e tão preocupados com as pessoas, à primeira oportunidade estão-se nas tintas para o país e para as pessoas. Mas são promovidos nos media como exemplos de moralidade. É tempo de dizer BASTA.
“Que adianta dizer-se que é um país de sacanas?
Todos o são, mesmo os melhores, às suas horas,
e todos estão contentes de se saberem sacanas.
Não há mesmo melhor do que uma sacanice
para fazer funcionar fraternalmente
a humidade da próstata ou das glândulas lacrimais,
para além das rivalidades, invejas e mesquinharias
em que tanto se dividem e afinal se irmanam.
Dizer-se que é de heróis e santos o país,
a ver se se convencem e puxam para cima as calças?
Para quê, se toda a gente sabe que só asnos,
ingénuos e sacaneados é que foram disso?
Não, o melhor seria aguentar, fazendo que se ignora.
Mas claro que logo todos pensam que isto é o cúmulo da sacanice,
porque no país dos sacanas, ninguém pode entender
que a nobreza, a dignidade, a independência, a
justiça, a bondade, etc., etc., sejam
outra coisa que não patifaria de sacanas refinados
a um ponto que os mais não são capazes de atingir.
No país dos sacanas, ser sacana e meio?
Não, que toda a gente já é pelo menos dois.
Como ser-se então neste país? Não ser-se?
Ser ou não ser, eis a questão, dir-se-ia.
Mas isso foi no teatro, e o gajo morreu na mesma.”
Jorge de Sena
Todos o são, mesmo os melhores, às suas horas,
e todos estão contentes de se saberem sacanas.
Não há mesmo melhor do que uma sacanice
para fazer funcionar fraternalmente
a humidade da próstata ou das glândulas lacrimais,
para além das rivalidades, invejas e mesquinharias
em que tanto se dividem e afinal se irmanam.
Dizer-se que é de heróis e santos o país,
a ver se se convencem e puxam para cima as calças?
Para quê, se toda a gente sabe que só asnos,
ingénuos e sacaneados é que foram disso?
Não, o melhor seria aguentar, fazendo que se ignora.
Mas claro que logo todos pensam que isto é o cúmulo da sacanice,
porque no país dos sacanas, ninguém pode entender
que a nobreza, a dignidade, a independência, a
justiça, a bondade, etc., etc., sejam
outra coisa que não patifaria de sacanas refinados
a um ponto que os mais não são capazes de atingir.
No país dos sacanas, ser sacana e meio?
Não, que toda a gente já é pelo menos dois.
Como ser-se então neste país? Não ser-se?
Ser ou não ser, eis a questão, dir-se-ia.
Mas isso foi no teatro, e o gajo morreu na mesma.”
Jorge de Sena
3. PARTIDO SOCIALISTA
O Partido Socialista parece viver um dos piores momentos da sua história e numa encruzilhada onde a opção pelo caminho não será certamente nem fácil, nem evidente. O dilema é não apenas dos militantes socialistas, mas de todos aqueles e aquelas que, de uma forma ou de outra, se sentem próximos do Partido Socialista e vêem nele - porque não lhes resta outra - a única alternativa ao actual governo. Porque, sejamos claros, a alternativa governativa passa obrigatoriamente pelo PS, e se os restantes partidos à esquerda, mesmo sabendo isso, continuam a querer ignorar a evidência é porque, mesmo afirmando o contrário, não estão muito interessados em encontrar soluções de compromisso. O compromisso implica cedências, o que, bem vistas as coisas, se percebe que dificilmente isso acontecerá, porque são partidos que fundamentam a sua actuação não no compromisso, mas na contestação. Quando assim é, o caminho é bastante estreito e corre-se sempre o risco de alguém cair no precipício. Aliás, tal postura ficou bem evidente no derrube do governo de Sócrates. Contudo, essa impossibilidade não significa que o PS não tente encontrar consensos e soluções de compromisso à sua esquerda, porque sabemos, e os vários movimentos dos últimos nos o demonstram, que actualmente muita da oposição ao governo e procura de soluções de compromisso não passa por esses partidos. Sendo este um dos grandes dilemas do PS, a verdade é que a postura dos vários intervenientes na contenda no seio do PS não tem sido um bom exemplo, o que terá como consequência o afastamento de pessoas e o desacreditar numa solução protagonizada por essas personagens. Algumas evidências, interrogações e factos que devem fazer pensar não apenas os militantes, mas todos os que acreditam no Partido Socialista.
1. Sendo verdade que Seguro assumiu o risco de uma travessia do deserto, quando poucos acreditavam que ele conseguisse unir as hostes, não será menos verdade que ele não conseguiu congregar à sua volta pessoas que pudessem construir uma verdadeira alternativa. Mais do que se afirmar, deixou-se enredar nos jogos da maioria.
2. António Costa, tendo tido a oportunidade de se afirmar e de ir à luta, desistiu no último momento porque incapaz de assumir o risco da derrota que sabia como certa. Com esta sua atitude perdeu a autoridade democrática de pretender, agora, combater quem democraticamente assumiu riscos.
3. Ao subverter as regras democráticas que regem o partido, subvertendo alguns dos princípios éticos que devem estar sempre presentes, António Costa abriu a porta a cisões internas e lutas fratricidas que deixarão feridas profundas na família socialista. Poderão alguns recordar, e com razão, que não é a primeira vez que isso acontece, mas o momento não é o de outros tempos e as exigências do País e as expectativas que as pessoas depositam no PS são também elas outras.
4. António José Seguro a uma questão política respondeu com questões procedimentais e jurídicas, faltando-lhe visão, serenidade e inteligência política para lidar com a questão e o desafio. Aliás, presumo que o que mais deve ter irritado as hostes de António Costa deverá ter sido a avaliação que as hostes de Seguro, e o próprio, fizeram da vitória nas eleições europeias, não percebendo que a vitória final não é o somatório de várias pequenas vitórias.
5. Sendo perceptível, como muitos já perceberam, que a postura e a actuação dos partidos terá que mudar, e por força de razão o PS, resta-nos a dúvida se qualquer um destes protagonistas terá a capacidade e a coragem de operar as mudanças necessárias?!
6. Sendo perceptível que António Costa, ao contrário de Seguro, é visto como dando maiores garantias enquanto primeiro-ministro, é também verdade que ele representa muito dos interesses instalados no PS que têm por hábito gravitar à volta do poder e tecerem redes de influência que minam a sociedade portuguesa. Daí o receio do manifesto dos quatro.
7. Terá Seguro capacidade e coragem para resistir às forças internas do PS ávidas de poder e habituadas a distribuírem as benesses desse mesmo poder pelas suas redes de influência?! Saberá ele rodear-se de pessoas cujo rótulo seja o da competência e não o partidário e ter capacidade para criar pontes de diálogo?
8. Na verdade, e sendo realista, a política de um e de outro não será muito divergente e não creio que qualquer deles tenha a coragem e queira correr o risco de criar rupturas na sociedade portuguesa.
Como se percebe o dilema não é fácil de resolver e o exemplo que ambos têm dado também não é animador. É tempo de cada um dizer o que pretende fazer, tendo em conta os constrangimentos (e são muitos) nacionais e europeus. Não basta dizer o que não se pretende, é preciso afirmar o que se quer. Os portugueses não estão dispostos a passar mais cheques em branco e a responsabilidade do PS para com o País é tremenda. Espera-se que ambos o compreendam.
Sejam felizes em seara de gente.
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