PIRÓMANOS DA DEMOCRACIA
Cometemos o erro de pensarmos que à nossa democracia bastava a formalidade para que tudo funcionasse e não houvesse regressão possível. Deslumbrados com um futuro que nos anunciavam como risonho, esquecemos alguns princípios básicos do que significa viver em democracia. Primeiro, fingimos ignorar que a democracia é um processo inacabado e que exige de todos e de cada um esforço permanente no exercício de uma cidadania consciente e responsável. Preferimos delegar nos eleitos, sem qualquer exigência ou questionamento, desde que eles nos continuassem a garantir ou a prometer um futuro risonho. E agora, quando confrontados com uma realidade inimaginável, maldizemos a democracia esquecendo que também nós somos dela parte integrante e responsáveis.
Os partidos, fundamentais para a democracia, deixaram-se enredar numa teia de interesses e de promiscuidade, confundindo interesses pessoais e colectivos e arredando da área da decisão os critérios éticos e preocupação com o bem comum. Incapazes de se renovarem, fecharam-se cada vez mais e permitiram que, através da distribuição de benesses de vária ordem - sobretudo os partidos da área do poder - , que se abrisse a porta a carreiristas, com pouco ou nenhum sentido ético do exercício da política e, sobretudo da decisão política, com formação política insuficiente e sentido crítico da realidade também ele insuficiente. A política começou a ser olhada por alguns como uma carreira, na qual se poderia ascender rapidamente e através da qual até era possível tecer uma rede de contactos e de interesses da qual se retirariam certamente dividendos. A crise mais não fez do que trazer à superfície todas as feridas há muito abertas. As dificuldades financeiras dos partidos, face a gastos cada vez maiores e campanhas mais sofisticadas, teve como consequência a procura de receitas com base em interesses pré-acordados e pouco transparentes. A corrupção - a maior ou menor - e a falta de ética e sentido de Estado na tomada de decisões alastrou de tal forma que hoje é difícil as pessoas confiarem nos políticos. E não apenas nos políticos, mas também noutros sectores da sociedade que se aproveitaram da fragilidade da classe política e da sua impreparação.
Uma outra vertente fundamental em democracia, é o diálogo e o confronto de ideias na procura e construção colectiva de soluções, independentemente de quem ocupa o poder. E nesse diálogo é imperativo que esteja presente o debate ideológico e não fingirmos que esse não existe, porque os partidos - mais coisa menos coisa - são todos iguais. Não o são e ainda bem, porque só assim podemos fortalecer a democracia e procurar as melhores soluções. Nada é mais ideológico do que a confusão propositada entre economia e mercado. Aliás, as opções do governo actual ilustram bem o peso das ideologias nas escolhas programáticas. Quem se coloca na posição confortável de negar a existência de qualquer outra alternativa, dificilmente estará predisposto a um diálogo franco, aberto e sério e não apenas um diálogo circunstancial. Qualquer que seja a situação, existe sempre uma alternativa, negá-la é desistir da construção do futuro, é ignorar a essência da democracia, é furtar-se ao confronto, é julgar-se o único detentor da verdade. A dinâmica do diálogo permite que as alternativas, mesmo as mais difíceis, ganhem forma e que à sua volta se aglutinem vontades e se assumam compromissos colectivos. Radicalizar o discurso e centrá-lo numa única verdade, é negar a complexidade da realidade, é negar-se ao esforço da procura de soluções. Colocar as questões entre extremos - ou é isto ou o caos - impede a procura séria de soluções e é postura própria de ditaduras ou de comportamentos anti-democráticos.
Quando a inquietação, o receio e a desconfiança se instalam, todo o discurso que anuncie um amanhã diferente sem que exista a preocupação séria de alterar o rumo, perde toda a credibilidade. Esse optimismo fingido, de fachada, que todos sentem ser falso, torna-se demasiado perigoso e pode conduzir a situações demasiado explosivas, porque as pessoas, além de traídas, sentem-se desesperadas e sem qualquer horizonte de esperança. E uma democracia sem horizonte de futuro, sem esperança, corre o sério risco de se auto-destruir.
A factura que agora nos apresentam, como sendo nós os únicos responsáveis, é o resultado de uma democracia frágil, onde a responsabilização é substituída por normativos inócuos, criando a ideia de que o trabalho dos eleitos se mede pela legislação produzida (por vezes contraditória e incoerente, feita à pressa, mal forjada) e não pela sua responsabilidade perante os eleitores.
Esta piromania democrática, onde os governantes, mas não apenas estes, parecem ter prazer numa política de terra queimada, irá dar azo a que outros pirómanos da democracia se aproveitem da situação de grande fragilidade para atearem novos fogos. E quando tocarmos a rebate poderá ser demasiado tarde, porque o incêndio será incontrolável.
Tentemos ser felizes em seara de gente e nunca esqueçam que o único acto verdadeiramente livre é o acto de pensar.
Uma outra vertente fundamental em democracia, é o diálogo e o confronto de ideias na procura e construção colectiva de soluções, independentemente de quem ocupa o poder. E nesse diálogo é imperativo que esteja presente o debate ideológico e não fingirmos que esse não existe, porque os partidos - mais coisa menos coisa - são todos iguais. Não o são e ainda bem, porque só assim podemos fortalecer a democracia e procurar as melhores soluções. Nada é mais ideológico do que a confusão propositada entre economia e mercado. Aliás, as opções do governo actual ilustram bem o peso das ideologias nas escolhas programáticas. Quem se coloca na posição confortável de negar a existência de qualquer outra alternativa, dificilmente estará predisposto a um diálogo franco, aberto e sério e não apenas um diálogo circunstancial. Qualquer que seja a situação, existe sempre uma alternativa, negá-la é desistir da construção do futuro, é ignorar a essência da democracia, é furtar-se ao confronto, é julgar-se o único detentor da verdade. A dinâmica do diálogo permite que as alternativas, mesmo as mais difíceis, ganhem forma e que à sua volta se aglutinem vontades e se assumam compromissos colectivos. Radicalizar o discurso e centrá-lo numa única verdade, é negar a complexidade da realidade, é negar-se ao esforço da procura de soluções. Colocar as questões entre extremos - ou é isto ou o caos - impede a procura séria de soluções e é postura própria de ditaduras ou de comportamentos anti-democráticos.
Quando a inquietação, o receio e a desconfiança se instalam, todo o discurso que anuncie um amanhã diferente sem que exista a preocupação séria de alterar o rumo, perde toda a credibilidade. Esse optimismo fingido, de fachada, que todos sentem ser falso, torna-se demasiado perigoso e pode conduzir a situações demasiado explosivas, porque as pessoas, além de traídas, sentem-se desesperadas e sem qualquer horizonte de esperança. E uma democracia sem horizonte de futuro, sem esperança, corre o sério risco de se auto-destruir.
A factura que agora nos apresentam, como sendo nós os únicos responsáveis, é o resultado de uma democracia frágil, onde a responsabilização é substituída por normativos inócuos, criando a ideia de que o trabalho dos eleitos se mede pela legislação produzida (por vezes contraditória e incoerente, feita à pressa, mal forjada) e não pela sua responsabilidade perante os eleitores.
Esta piromania democrática, onde os governantes, mas não apenas estes, parecem ter prazer numa política de terra queimada, irá dar azo a que outros pirómanos da democracia se aproveitem da situação de grande fragilidade para atearem novos fogos. E quando tocarmos a rebate poderá ser demasiado tarde, porque o incêndio será incontrolável.
Tentemos ser felizes em seara de gente e nunca esqueçam que o único acto verdadeiramente livre é o acto de pensar.
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