UM POEMA E ALGUMAS NOTAS PARA 2012

Passado o período festivo de Natal e Passagem de Ano, entramos em 2012 com o peso de uma realidade pré-anunciada. Teremos nós arcaboiço suficiente para aguentar tamanho peso? A experiência diz-nos haver uns mais resistentes que outros e que num coletivo serão estes o apoio aos mais fragilizados, porque só assim será possível resistir. Será certamente necessário procurar forças nas entranhas, alimentarmos a chama - por mais ínfima que pareça - da esperança que nos resta, inventarmos e descobrirmos novas formas de sermos gente, de nos afirmarmos enquanto seres humanos capazes de construir coletivamente o futuro. É necessária a solidariedade, a esperança, a resiliência, a capacidade e a coragem de dizer NÃO quando o futuro  o exige, a força para dizer SIM quando as circunstâncias o exigem. É preciso saber esperar! Veio-me à memória um poema de Rita Wemans, menina a quem a morte arrebatou violentamente à vida nos seus alegres vinte anos.

SABER ESPERAR...


Saber esperar o que já veio
Saber ter o que há-de vir
é mais do que pôr uma espe-
rança desmedida no futuro
e ir saboreando o hoje
e o amanhã...

Saber ter olhos para ver o invisível,
e ouvidos p'ra escutar
o que ninguém nos diz,
mas nós queríamos tanto...
Vale a pena sorrir
Quando o que esperam de nós são lágrimas
Vale a pena ver o pôr-do-Sol
e pensar na próxima manhã
Enchamos tudo de futuros
como se eles espreitassem
das nuvens, ou estivessem
à nossa espera para nos dizer
bom dia e para esperarem
até chegarmos lá.

Vale a pena acreditar nos sonhos e
palpá-los mais do que numa esperança vã!

2000
(de Enchamos tudo de Futuros, Sopa de Letras, 2003)





EMPOBRECIMENTO. É inaceitável que os nossos políticos nos «vendam» a ideia de que, face à crise atual, o empobrecimento é algo de inevitável, o único destino possível para quem «tão mal se comportou». É-nos apresentado como um castigo e é bom que nos sintamos culpados (Merkel faz por isso!). Pessoalmente não gosto da culpa, nem tão pouco gosto que me digam os pecados a expiar. Prefiro a responsabilização à culpa e a responsabilidade e disponibilidade para mudar ao castigo. Temos que mudar a nossa forma de estar, de nos comportarmos, de pensarmos... Pretender um outro desenvolvimento não significa necessariamente empobrecer. Mantermos as mesmas fórmulas e estruturas conduzir-nos-à inevitavelmente ao empobrecimento e criará inexoravelmente mais excluídos e pobres. Em tempos de crise é necessário confiar e confiar significa que sentimos que alguém cuida de nós, sentimos que na caminhada alguém está ao nosso lado.  Uma coisa é o sacrifício e o esforço para chegarmos à meta, outra é dizerem-nos que por maior que seja o esforço e o sacrifício, mesmo chegados à meta, não teremos quem nos acolha, quem nos dê de beber, quem nos sacie... Talvez seja oportuno que escolhamos outras metas e não aquelas que nos que nos dizem serem as únicas. Será esta a sociedade que desejamos?

EMIGRAÇÃO. Habitualmente, quando falamos em exportações logo as associamos a produtos e bens. Acontece que os países também exportam saber/conhecimento e serviços. O facto de a população  em geral não ter interiorizada esta ideia significa uma desvalorização, mesmo se inconsciente, desta dimensão económica. Ou seja, uma desvalorização do saber e do conhecimento, já que «estudar já não serve para nada». Mais grave é quando os próprios governantes desvalorizam o saber e o conhecimento ao ponto de deles prescindirem. Seria aceitável - e até de enaltecer - se existisse a preocupação de criar programas e acordos entre países que conduzisse à exportação desse saber e desse conhecimento. Todos teríamos a ganhar. O que não é aceitável é que se dê a entender «desenrasquem-se, porque nós não temos lugar para vocês»! Isto não é política nem visão de Estado, é bom princípio português do «cada um que se desenrasque». E até o governo procura desenrascar-se!!

FLEXIBILIZAÇÃO DAS LEIS LABORAIS. Quem propõe medidas destas comparando a situação do país a outros da Europa, ou não sabe sobre o que fala, ou desconhece o país em que vive ou tem outros intentos. Não é possível propor medidas só pelo facto de que outros no-las queiram impor por se pensarem modelo perfeito e desconhecendo a realidade de outros. As realidades, embora com pontos que se intersectam, nunca são iguais, até porque as culturas são também elas diferentes. O perigo, o risco, da flexibilização das Leis Laborais não reside tanto no conteúdo das mesmas - embora sobre ele nos devamos interrogar -, mas sobretudo na grande falta de consciência social da classe empresarial em Portugal e, também, no acesso à justiça por parte dos trabalhadores e na morosidade da mesma. Não vale a pena - porque cansa e ninguém acredita - dizer que é necessário, para sermos competitivos, sermos semelhantes a outros na Europa. Aliás, coerência manda, que se assim fosse, muita coisa teria que mudar! Temos os empresários que temos e fazer comparações com outros países é pretender passar a todos nós um atestado de ignorância. Há que relembrar - porque há quem esqueça - que Portugal é dos países onde o fosso entre os mais ricos e os mais pobres é maior. Quanto a este assunto estamos conversados.

ENSINO.
Há uns anos participei, enquanto orador, num evento organizado por jovens do Secundário de uma escola da grande Lisboa. Tratando-se de um evento com alguma dimensão, confesso que fiquei surpreendido com a organização e com os jovens que tiveram um papel também de intervenientes, seja na moderação das mesas, seja na introdução aos vários temas. A forma como foi recebido faria inveja a muitas organizações. É evidente que por trás tinham o apoio dos professores, mas eles eram os protagonistas. Imaginem o meu espanto quando me disseram que esses jovens eram há alguns meses os mal-amados da escola, os rufias, os incapazes de permanecerem cinco minutos num laboratório, os chumbados por faltas... aqueles que ninguém queria nas suas turmas, tanto alunos como professores. A escola desenhou-lhes um currículo alternativo e envolveu as empresas, nomeadamente na componente laboratorial e científica. Os professores eram «voluntários» no programa, nenhum deles foi obrigado a nele participar. Como me diziam, não se trata de um problema de conhecimento - porque esse todos os professores o teriam -, mas de aptidões e competências para trabalharem com este tipo de alunos e essas nem todos têm. Além disso, é necessária uma grande disponibilidade não apenas física, mas interior, e isso também nem todos têm. Criou-se exigência (há quem confunda currículos alternativos com falta de exigência), correram-se riscos, mas valeu a pena. Alguns destes rapazes e raparigas pretendiam entrar na Universidade, algo impensável tempos antes.
Lembrei-me desta minha experiência, porque num momento em que está em discussão vários aspetos do ensino, nomeadamente os currículos, vale a pena pensar neste exemplo.
Deixo aqui algumas pistas de reflexão:
1. Reconhecer que existem territórios problemáticos, famílias problemáticas, alunos problemáticos.
2. Preparar os docentes que vão trabalhar para esses territórios, dar-lhes condições e estabelecer metas e objetivos. Há escolas onde ninguém quer leccionar e onde, muitas vezes, os novatos são lançados aos lobos. Por melhores que sejam e por maior que seja a sua vontade e por melhor que seja o seu trabalho, dificilmente obterão grandes resultados.
3. O conhecimento é fundamental e se não for adquirido, dificilmente esses alunos terão futuro. Mas existem outras dimensões, sobretudo num mundo que exige cada vez maior flexibilidade e adaptabilidade, que importa cultivar: saber pensar, sentido crítico, criatividade, espírito de iniciativa, disponibilidade para aprender, trabalho em equipa, sociabilidade, respeito pelo outro (pese embora a competitividade), disciplina, capacidade de opção, respeito pela liberdade... Basta estar atento e ver quais os requisitos que actualmente as empresas valorizam no recrutamento!
4. É importante que a nível nacional se estabeleça uma estratégia e se diga claramente quais as áreas em que se deve apostar e o que se pretende com o ensino.
5. É imprescindível que as empresas alterem o seu comportamento no sentido de assumirem o risco de empregarem pessoas que as questionem e que tratem as pessoas com dignidade e não apenas como um instrumento de lucro.
6. Criar níveis de exigência, significa que os próprios governantes têm que ser eles próprios exigentes.
Não quero um ensino de elite, onde apenas alguns tenham lugar e a maioria esteja condenada logo à partida. Quero um ensino, exigente, mas inclusivo.


Tentem ser felizes em seara de gente e que a esperança colectiva permita desenhar novos futuros. Está nas nossas mãos, não desperdicemos a oportunidade.

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