QUEM PAGA A FACTURA?

Para quem entende muito pouco de economia - assim é o meu caso - mas a quem, apesar de tudo, a vida já ensinou alguma coisa, parece ridícula, quase patética, a discussão sobre as dívidas que deixamos às gerações futuras. Não tanto pelo tema em si, mas sobretudo pelos moldes em que a discussão foi e é feita, embora nos últimos tempos assuma outros contornos e se prefira ignorá-la. A discussão recorda-me as contas do Sr. Pedro, merceeiro das memórias da minha infância, mas que, ao contrário destes novos zuavos, fez viver muita gente. Digo parece-me, porque esta é apenas a opinião de um simples cidadão, embora atento, que dos malabarismos das Contas do Estado (de todos nós) nada entende, correndo por isso o risco de o senso comum em nada ser ajustável à realidade.
A discussão assenta numa visão completamente deturpada e, pior ainda, ignora as várias componentes da economia, todas elas importantes, não devendo existir supremacia de qualquer delas em relação às outras.

A questão central, na minha muito modesta opinião, não está se transferimos ou não dívida, contraída pela geração actual, para as gerações futuras, mas o que essa dívida significa em termos de desenvolvimento. Trata-se sempre, como não poderia deixar de ser, de modelo de desenvolvimento e estratégia desenhada para o futuro. O que não fará qualquer sentido é  deixarmos como legado um país empobrecido sem perspectivas de futuro! Aliás, ao longo da história, sempre existiu transferência de esforço para as gerações futuras, não significando o facto maior empobrecimento. Importa, em primeiro lugar, recentrar a discussão considerando vários vectores, já que as transferências para o futuro não se situam apenas, e sobretudo, ao nível de encargos financeiros. Contudo, a qualidade do que se transfere depende muito do esforço e da atitude da geração actual bem como da sua visão do futuro e  da sua capacidade para antecipar o futuro. Esse pacote de transferências engloba não apenas os encargos financeiros, mas também o conhecimento, as ferramentas e instrumentos adquiridos, o desenvolvimento adquirido, a cultura, sobretudo na sua relação com as mentalidades e comportamentos, estado do património comum (incluindo o ambiental), etc... E no que toca aos encargos financeiros, o importante é perceber se o investimento feito se justifica ou não em termos de desenvolvimento futuro. Não pretendo aqui fazer qualquer juízo de valor sobre os investimentos feitos, adiados, ignorados, esquecidos ou alguma vez ventilados, mas apenas tentando cumprir o objectivo de sublinhar algumas questões que, enquanto cidadão preocupado com o futuro, me parecem pertinentes. Confesso - quiçá erradamente - que sou bastante sensível à questão das mentalidades e dos comportamentos, pois possuem a característica de se prolongarem no tempo e marcarem profundamente o futuro ao longo de várias gerações, sendo por outro lado a velocidade de repercussão das eventuais alterações muito lenta, cujos efeitos podem representar grande negatividade. E esta é um aspecto ao qual o discurso político raramente dá a devida atenção.
Permitam-me algumas questões, ou dúvidas, que admito poderem ser qualificadas de ingénuas: quando se transferem, por exemplo, os Fundos de Pensões da Banca para o Estado, correspondendo ao único objectivo de diminuição do défice ou para pagamento de algumas dívidas, transferindo as responsabilidades (pagamento de reformas) para as gerações vindouras, não será essa também uma forma de sobrecarregar as gerações futuras? Em termos de desenvolvimento, que significado tem essa transferência?! A amnésia é tão grande que de repente esqueceram as gerações futuras! E o empobrecimento - politicamente assumido - do país não será porventura transferência de encargos para aqueles que um dia tomarão o testemunho?!
Aqui chegados, direi que muito pior que as dívidas é o desinvestimento no ensino, na cultura, no serviço público, porque isso sim significa empobrecimento e «roubo» de instrumentos e ferramentas que permitiriam a essas gerações resolver, com esforço, os problemas que infelizmente lhes legaremos. Num recente artigo na revista «Visão» dedicada ao tema da Economia Social e Solidária, Sérgio Figueiredo (Presidente-executivo da Fundação EDP), escrevia: «É que a inovação não passa apenas pela tecnologia nem por produtos novos que fidelizam clientes - é sobretudo atitude». Penso estar aqui a chave do problema, a ATITUDE. Infelizmente, a atitude radica no conhecimento, nas mentalidades, nos comportamentos, na visão que temos ou não temos do futuro. Ou seja, em tudo em que desinvestimos e que parece não ter grande importância. Felizmente, isso também significa que o desenvolvimento também depende de nós e da nossa ATITUDE perante a vida em sociedade.
Aqueles que pateticamente centram a discussão na perspectiva financeira apenas revelam o seu enorme vazio de ideias e a sua incapacidade em problematizarem o presente como forma de inventarem novos futuros. Como dizia Einstein: «Loucura é repetir o mesmo esperando resultados diferentes».
Tentem ser felizes sendo actores de um futuro que a todos pertence. Se lhe parece tarefa árdua, tente pelo menos ser um espectador interactivo e seja feliz com outros.

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