OS BONS E OS MAUS MALANDROS
Existe da parte de alguns sectores da sociedade portuguesa uma tendência para estigmatizar os grupos mais fragilizados, isolando-os ainda mais ou apontando-lhes mesmo o dedo. Essa atitude é tanto mais condenável quando é feita com base numa dualidade conflituosa e revela uma moralidade simplista baseada nos bons e maus malandros. O que se tem dito sobre o Rendimento Social de Inserção e a forma como os que dele beneficiam têm sido tratados demonstra isso mesmo.
Bem sei - há muito que deixei a idade da inocência - que essa atitude não é apenas uma tendência resultante dos tempos de crise, mas que corresponde a um pensamento e a uma forma de olhar o mundo e a sociedade e, consequentemente, a uma forma de desenhar o futuro. Não me identificando com essa forma de estar, considero-a perigosa sobretudo porque aprendi que é sobretudo em tempos difíceis que essas sementes daninhas encontram o terreno favorável à sua germinação. E é sabido que a sua contaminação se prolonga no tempo deixando por vezes marcas difíceis de apagar. Sempre me incomodaram aqueles que olham o mundo a preto e pretendem encontrar soluções com régua e esquadro na mão. A História mostra-nos quais os resultados dessa forma de pensar e de estar, embora pareça haver quem disso não tenha consciência ou prefira apenas ignorar.
É dever de todos aqueles e aquelas que não se revêem nesta forma de olhar o mundo não ficarem indiferentes, já que a indiferença é fertilizante - no terreno já por si fértil - para que a contaminação se propague. Ignorar ou não tentar perceber a complexidade do mundo, seja qual for a razão ou o motivo, é abrir brechas à exclusão, ao conflito ou, em fim de linha, ao autoritarismo. Mais grave ainda é quando, com base em argumentação populista, se tenta semear a desconfiança entre grupos da sociedade fragilizados e excluídos ou provocando mesmo sentimentos de conflituosidade.
Colocar em oposição os reformados e os beneficiários do Rendimento Social de Inserção, parece-me tratar-se de atitude com elevado grau de irresponsabilidade, sobretudo em tempos que o que mais se exigiria era a união de esforços e de vontades. Que eu conheça não há nada que me mostre serem os beneficiários da reforma mais dignos dela que os beneficiários do Rendimento Social de Inserção do apoio que recebem. Para mim são todos igualmente dignos e merecedores, porque todos eles me merecem respeito. Esse meu sentimento ou crença não significa que no conjunto não haja quem seja menos merecedor, mas esse facto não me dá o direito de fazer qualquer tipo de generalização, tomar uma parte pelo todo. Colocar a hipótese de que porventura haverá uns menos merecedores não significa da minha parte qualquer juízo de valor, mas apenas porque sabendo a realidade complexa - e a humana ainda mais - e dessa complexidade tendo consciência, aceito que existam alguns comportamentos desviantes em ambos os grupos. Essa consciência dos factos e da sua complexidade devem-me obrigar a procurar soluções que minimizem os comportamentos desviantes e não a criar condições para que se tornem ainda mais desviantes, ou seja, a aumentar o grau de exclusão.
Impor como condição para a concessão do Rendimento Social de Inserção que todos os candidatos assinem um contrato é o mesmo que dizer-lhes que não são merecedores do apoio e que o Estado desconfia de todos eles. É também o reconhecimento do próprio Estado da sua incapacidade de inclusão dessas pessoas. É ainda o adiamento das soluções e , na ânsia de poupar, não se dar conta do aumento dos custos sociais a prazo. Finalmente, é não entender o fenómeno da exclusão e da pobreza e reduzir a sua complexidade a meras operações contabilísticas. Quem olha o mundo a preto e branco dificilmente perceberá que uma sociedade geradora de exclusão, incapaz de incluir quem ela própria excluiu através de mecanismos que a sustentam, dificilmente terá futuro.
TENTEM SER FELIZES EM SEARA DE GENTE.
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