SER SUSTENTÁVEL É TER FUTURO
Este texto faz parte da publicação editada pela Quercus - Associação Nacional de Conservação da Natureza, em Março de 2011, na comemoração dos seus 25 anos de existência. A publicação - «25 ANOS QUERCUS - 25 PERSPECTIVAS PARA O FUTURO», inclui escritos de pessoas conhecidas e reconhecidas da nossa sociedade, sendo porventura o presente texto um dos mais modestos. A escrita, por vezes telegráfica, deve-se ao guião apresentado pelo editor e aos limites amavelmente aconselhados. Um grande bem-haja à Susana Fonseca, Vice-Presidente da Direcção Nacional da Quercus, por ter confiado a este modesto colaborador tão precioso espaço.
Falar
de sustentabilidade significa falar de futuro. Um futuro onde seja possível um
equilíbrio harmonioso entre todas as dimensões da vida (económica, social,
ambiental, política, …). Esta visão coloca-nos, logo à partida, algumas
questões, de índole cultural, nomeadamente:
-
Qual o horizonte de futuro que idealizamos, sabendo que a procura de
equilíbrios implica indubitavelmente cedências, opções, compromissos?
-
Que consciência temos nós do património colectivo que nos foi legado pelos que
nos precederam e que sentido de propriedade é o nosso?
Tratando-se
de questões interdependentes, o esboço do futuro dependerá em grande parte da
consciência que temos da herança recebida. A posse, enquanto afirmação de
relações de poder e de status, é uma característica marcante e estruturante das
nossas sociedades. Esta característica, aliada a uma sobrevalorização do tempo
individual (período de uma vida) em detrimento do tempo histórico, construtor
do devir colectivo, conduz-nos a uma retracção do horizonte futuro, tornando-o
mais próximo de nós. Esta conjugação tem como resultado a dificuldade em
entendermos a posse – transitória – como a capacidade para administrarmos, da
melhor forma, um património que não nos pertence, mas que apenas nos foi
legado. Ou seja, trata-se da consciência do dever de cuidarmos do património
herdado dos que nos precederam e da obrigação de deixarmos às gerações
vindouras um legado que elas possam usufruir. Esta consciência, ou a ausência
dela, afecta a nossa capacidade de delinearmos o futuro, já que esse horizonte
pode atravessar o período de uma vida (uma geração) ou perspectivar-se muito
além do nosso tempo histórico. Este é um desafio revolucionário na mudança de
mentalidades e definidor do que se entende por bem comum.
A
estas questões está ligada uma outra que é a criação de riqueza. Se é verdade
que a criação de riqueza é um factor essencial ao desenvolvimento das
sociedades, ela por si só nada resolve, pois coloca-se o problema não apenas da
sua redistribuição, mas também da qualidade da riqueza criada. Este é um debate
que urge fazer, sobretudo no sentido de perceber em que medida o saldo da
riqueza criada é positivo, ou seja, quais os recursos utilizados e a forma como
o foram para produzir essa riqueza. Importa ter consciência de que ao
utilizarmos recursos de forma não sustentada estamos a empobrecer o património
das gerações vindouras. De nada adiantará a criação de riqueza em determinado
período da história se ela implicar um empobrecimento futuro.
Os
desafios que se colocam para o próximo quarto de século são certamente muitos,
contudo sublinharia três que me parecem ser essenciais, apesar de pouco
palpáveis e aparentemente não orientados para soluções dos nossos problemas. Devo
acrescentar que não me parece que eles se resolvam nesse período de tempo, uma
vez que implicam sobretudo revolução de mentalidades, mas procurar colectivamente
soluções e procurar implementá-las deveria ser a nossa grande ambição colectiva.
CONSTRUÇÃO DE UMA SOCIEDADE DE RESPONSABILIDADE
Ser
capaz de transformar uma sociedade excessivamente regulamentada, procedimental,
numa sociedade de responsabilidade, parece-me ser um dos maiores desafios para
o nosso país, pois exige um esforço colectivo, a todos os níveis, de mudança de
mentalidades. Não se trata apenas de diminuir a burocracia ou de lhe conferir
maior flexibilidade, trata-se sobretudo de uma questão cultural muito mais
profunda que revela a nossa dificuldade em criarmos cadeias de responsabilidade
em vez de relações de poder, baseadas em regras e procedimentos. É evidente que
as regras e os procedimentos são necessários, mas só é possível evoluirmos se a
cada um e a cada uma for dada a possibilidade de, com responsabilidade,
exercerem a sua criatividade e contribuírem para o bem comum. Pretende-se não
sociedades obedientes, cumpridoras de regras, mas antes sociedades responsáveis,
capazes de valorizarem os erros e fracassos como processos da sua própria
evolução e com capacidade crítica.
CONSCIÊNCIA DOS LIMITES DO PAÍS
Importa
fazer um esforço de redimensionamento do desenvolvimento do país à medida dos
escassos recursos disponíveis. Fomos habituados, desde há muito, a viver do
exterior sem nunca nos confrontarmos com a nossa realidade e a consciência de
que somos um país cujos recursos são limitados. Essa consciência levar-nos-ia a
valorizar os importantes recursos, apesar de escassos, que possuímos e também a
valorizar e a potenciar as oportunidades que nos surjam. Sabermo-nos limitados
implica uma grande solidariedade entre todos, evitando a apropriação indevida
de recursos, injustiça na redistribuição de riqueza, exigências repartidas
segundo a capacidade de resposta.
DESENHAR UM PLANO DE DESENVOLVIMENTO BASEADO NO TERRITÓRIO
Num mundo globalizado e de forte concorrência, a dimensão
territorial, firmada na diferenciação, adquire um outro sentido, sobretudo na
medida em que a nível dos territórios formos capazes de desenhar um
desenvolvimento assente nos recursos endógenos e na capacidade de criar redes
que criem ligações com o exterior. De nada adiantará desejarmos ser todos
iguais, fazer as mesmas coisas… em vez de nos diferenciarmos e apostarmos nessa
diferenciação.
MUDANÇAS NECESSÁRIAS
Cada um de nós – cada cidadão – terá uma opinião sobre as mudanças
necessárias, urgentes, optando, como é natural, por enumerar aquelas que mais
se aproximem dos seus problemas quotidianos. Correndo o risco, também ele
natural, de desacordo com outros, vou enumerar muito rapidamente algumas das
mudanças que me parecem ser necessárias e urgentes.
A nível político,
parece-me essencial que sejamos capazes de construir um consenso alargado
quanto ao tipo de desenvolvimento para as próximas décadas, quais as suas
principais linhas de implementação, as condicionantes e quais as metas. Evidentemente
tendo sempre como perspectiva o equilíbrio harmonioso entre as várias
vertentes. Por outro lado – e trata-se mesmo de uma urgência – é imprescindível
que se restabeleçam níveis de confiança entre sociedade civil/políticos e
sociedade civil/instituições do Estado. Importa criar exigências recíprocas e
alterar comportamentos, porque não é possível construir futuro na base da desconfiança.
No plano empresarial é sobretudo necessária uma mudança na
forma como a empresa é vista pela sociedade e como ela própria olha para essa
mesma sociedade. Essa mudança passa por uma maior consciência social das
empresas e uma maior solidariedade. Não se trata apenas de Responsabilidade
Social, mas de Consciência Social. Isso significa que falar de Responsabilidade
Social – algo inerente à própria empresa e não exterior – é assumir compromissos
perante, em primeiro lugar, aqueles que a constituem e, em segundo lugar,
perante a comunidade ou território em que se insere. O mundo empresarial deve
ser inclusivo e não gerador de exclusão. Produzir riqueza, embora importante e
imprescindível, pode não ser suficiente, quando se corre o risco de o balanço
ser negativo, seja pelos custos de produção, ambientais ou sociais. A longo
prazo, a exclusão e a pobreza representam custos enormes, directos e
indirectos, para as sociedades.
No que se refere à Sociedade
Civil importa criar dinâmicas com vista a uma maior consciência de que os
problemas e o futuro das sociedades é uma responsabilidade de todos e não
apenas dos Governos. Significa o aprofundamento de uma consciência solidária –
diferente de sermos solidários –, consciência crítica e desenvolvimento do
espírito criativo e empreendedor no sentido de encontrarmos soluções inovadoras
para os nossos problemas.
Qualquer que seja o desafio de mudança, ela passará sempre por uma
grande aposta no sistema de ensino, já que é aí que se lançam os alicerces de
um futuro que será tanto mais frágil quanto maior a fragilidade, incoerência ou
falta de exigência desse mesmo sistema.
MICROCRÉDITO E SUSTENTABILIDADE
Esta é uma temática à qual o mundo do microcrédito e da
microfinança não são alheios, sendo várias as experiências em várias partes do
globo em que se procura potenciar pequenos negócios nestas áreas. Algumas
organizações de microfinança, na sua avaliação do impacto social, introduziram
indicadores que lhes permitam também avaliar os impactos ambientais. O debate é
actual e algumas organizações têm apostado na chamada «microfinança verde»,
sendo disso um exemplo a Grameen Shakti, do grupo de empresas Grameen
inspiradas na filosofia de Muhammad Yunus, a qual tem como objectivo apoiar o
desenvolvimento económico da população rural mais desfavorecida através do
acesso a energias alternativas. Esta empresa do Grupo Grameen pretende superar
a carência energética das populações rurais financiando através do microcrédito
tecnologias limpas (energia solar, eólica, biogás, etc…). Sublinhe-se ainda o
facto de o microcrédito, desde a sua origem, sempre ter tido como preocupação o
desenvolvimento sustentável. É verdade que em Portugal ainda estamos longe
desse debate, uma vez que, por um lado, continuamos a falar apenas em
microcrédito e não em microfinança e, por outro lado, ainda não existe massa
crítica suficiente que permita avançarmos mais rapidamente na discussão destas
áreas.
Tentando ser um pouco mais próximo da nossa realidade, importa, em
primeiro lugar, sublinhar a evidência de que sociedades geradoras de pobreza e
exclusão dificilmente serão sustentáveis, por contribuírem para desequilíbrios,
directa ou indirectamente, em todas as dimensões da vida. O microcrédito é, na
sua génese, um instrumento de luta contra a pobreza e a exclusão, o que
significa que, através das suas metodologias, contribui para a construção de
sociedades mais sustentáveis.
Por outro, e de um modo geral, são as actividades produtivas – se
bem planeadas – à pequena e média escala as que causam menores impactos
ambientais e é precisamente nesse espaço que o binómio microcrédito/meio-ambiente
ganha força e sentido.
Acresce ainda o facto de o microcrédito ser um instrumento
adequado à dinamização dos territórios de fraco dinamismo económico,
contribuindo para a implementação e desenvolvimento de pequenas actividades que
permitam a radicação das pessoas e o desenvolvimento económico desses
territórios. Nesta lógica de território é possível criar dinâmicas de
consciencialização das pessoas para os problemas de sustentabilidade e dinamizar
pequenas actividades que possam ir nesse sentido. Contudo, para que seja
possível torna-se necessário que as entidades responsáveis por esses
territórios – seja a nível central, regional ou local – criem condições e
implementem planos estratégicos que permitam e apoiem essas mudanças.
Finalmente, importa referir a importância que o acompanhamento
próximo ao longo de todo o processo – uma das principais características da
metodologia do microcrédito – e o seu papel pedagógico na formação do próprio
microempresário.
Apesar das mudanças já anunciadas a nível do microcrédito,
nomeadamente um enquadramento legal da actividade, resta-nos um ainda longo
caminho a percorrer, o qual passa pelo esforço permanente de inovação no campo
social e procurando, também aí, os equilíbrios possíveis entre todas as
vertentes da vida.
O PAPEL DAS ORGANIZAÇÕES NÃO GOVERNAMENTAIS DE AMBIENTE
Estas organizações têm um papel com duas vertentes:
1. Influência das decisões do poder político
2. Sensibilização, pedagogia e educação da
sociedade.
Para que esses papéis possam ser desempenhados de forma clara e
transparente, é imprescindível que haja o esforço colectivo, nomeadamente
político, no sentido da definição do tipo de desenvolvimento desejado, consenso
nas grandes opções e definir claramente os limites, ou seja, procurar os tais
equilíbrios harmoniosos. Se as grandes linhas do tipo de desenvolvimento que
desejamos não estiverem definidas, cai-se facilmente num papel reivindicativo e
pontual, muitas vezes incompreendido pela grande maioria da sociedade. A
verdadeira mudança, embora mais morosa, é aquela que se opera através da
mudança de mentalidades, daí ser necessário uma grande aposta na segunda
vertente, nomeadamente nas escolas.
As verdadeiras revoluções não são aquelas que se decretam, mas as
que se operam através da mudança de mentalidades, porque são essas que perduram
no tempo e que maiores consequências operam.
Comentários
Enviar um comentário