DE ENGANO EM ENGANO SE CAI NO ENGODO

A conversa sobre os independentes no Governo já começa a ser cansativa, tanto mais por não corresponder inteiramente à verdade, sendo mais um slogan de propaganda do que compromisso assumido. Não me restringindo apenas ao presente governo, a verdade é que a ênfase sobre ele recai por se ter tornado quase obsessão o pretender fazer dessa sua característica símbolo de desapego partidário e arauto da moralidade.
Diga-se nem abono da verdade que são muitos os que gostam de vestir o fato do faz-de-conta com umas risquinhas de hipocrisia disfarçada, por acharem que lhes cai como nenhum outro! Mas afinal que independência é essa que tanto jeito dá ao discurso político? Numa comparação grosseira, mas que todos entendem, diria que são os adeptos que não são sócios. Será que a sua independência se justifica apenas por se sentirem aparentemente libertos das regras e princípios partidários? Pouca coisa, diria eu, para tão grande alarde. Verdade seja dita que eles próprios não enjeitam esse seu título de «escolhidos», de «eleitos», os verdadeiramente livres das amarras partidárias. O que mais irrita neste discurso sobre os independentes é que ele encapota o essencial, ou seja, a coerência ideológica de um governo em que não existe qualquer espaço para os verdadeiros independentes. Mas estes também dificilmente teriam lugar nos ministérios, já que a sua verdadeira independência poderia causar alguns engulhos a um governo que por tão decidido se julga senhor de todas as certezas e dono da verdade. A verdadeira independência incomoda, questiona, lança dúvidas… não é dócil nem se acomoda.
Uma segunda falácia no discurso político e seus apoiantes é a de que este governo possui uma grande vertente técnica, sobretudo nos principais ministérios. Confesso que às vezes me imagino vivendo num país virtual, bem diferente daquele que os discursos me mostram ou descrevem. Então, pese embora o maior ou menor pendor político das várias personagens, não terá sido sempre assim? Ou será que os anteriores ilustres que ocuparam as diferentes pastas seriam torneiros, padeiros, soldadores ou outra qualquer profissão completamente inadequada à função?! Isto sem desprimor para qualquer uma dessas profissões ou seus executantes, bem mais necessários do que alguns reais defensores de tão estranha ideia. O espanto é ainda maior quando contrapõem os actuais «técnicos» - verdadeiros génios do saber e detentores das verdadeiras e únicas soluções para as maleitas do país – aos outros, ou seja, aos políticos origem de todos os males. Existe uma espécie de diabolização da política que se torna perigosa e abre caminhos à vacuidade dos discursos. Será que ainda ninguém lhes disse que qualquer decisão técnica, por mínima que seja, tem sempre subjacente uma opção política?! Será que não entendem que qualquer procura de solução tem sempre subjacente uma determinada visão do futuro?! Querer separar a vertente técnica, nomeadamente económica, da vertente política é escancarar a porta a interesses dúbios em que prevalece o proveito individual ou de grupo em detrimento do bem comum ou colectivo. O papel daqueles que tornam as soluções exequíveis, operacionais é importantíssimo, diria mesmo fundamental, mas não há que confundir os planos sob penas de se perder de vista qualquer horizonte de esperança. Aliás, a actual crise europeia é um bom exemplo dessa ideia estapafúrdia, já que o grande problema é a falta de visão política – visão de futuro – dos seus líderes. Sobretudo porque o seu futuro é demasiado próximo, demasiado «técnico», sujeito aos interesses de ocasião. Diria que quem coloca os técnicos no pedestal e os políticos no cadafalso, e partindo do pressuposto que não será nem por ignorância, nem por má fé, mas por convicção profunda, tem tendência a encontrar soluções em que as pessoas são parte do problema, mas não da solução. Ou seja, reduzem as pessoas à tecnicidade dos números não lhes conferindo a dignidade de cidadania.
Finalmente, algumas palavras a propósito dos profetas da desistência. É quase escandaloso e provocatório, como no discurso deste novo poder – não apenas o governo – se desiste tão facilmente da procura de soluções inovadoras, substituindo essa procura por soluções formatadas por teorias cujas evidências apontam em sentido contrário ao pretendido. O irónico é que essa mesma gente que depois nos vem falar em inovação e na necessidade de procurar novas soluções.
A verdade é que este novo poder atribui muito pouca importância às pessoas e mesmo quando parece interessar-se por elas, trata-as, não como cidadãos com direitos e deveres de cidadania, mas como excluídos a quem é preciso encontrar um «cantinho» na sociedade, desde que não incomodem e não criem demasiadas ondas.  Desprovidos de tudo, nomeadamente dos seus direitos, haverá sempre alguém disposto não a ajudá-los a erguer-se de novo, mas apenas a mantê-los na penumbra de uma sociedade que se deseja de sucesso.
Este é um governo onde a coerência ideológica é o motor e a sua verdadeira característica e não, como nos querem fazer crer, a sua tecnicidade e pendor de independência.
Não deixemos seduzir, pois de engano em engano se cai no engodo.

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