Populismos e riscos para a Democracia

 

Não gosto de populismos, sejam eles de esquerda, de direita ou de coisa alguma. Mas nem todos, em determinado momento e tendo em conta as circunstâncias que os geram, moldam, e lhes dão acolhimento, representam o mesmo risco para as democracias. Importa ler a realidade e ter sentido crítico para que se perceba que, em determinado momento, o grau de risco que cada um deles representa para as democracias é diferente. Quando se confunde e mistura tudo, pretendendo equipará-los sem ter em devida consideração a leitura da realidade em que se inserem, isso significa que se está a favorecer um deles e, normalmente, o que nesse momento representa maior risco para a democracia. Em vez de um combate cujo foco é o populismo que alastra, dilui-se esse combate numa retórica que mais não faz do que aplanar o caminho a quem está em voga, na mó de cima. Aliás, quem faz esse tipo de equiparações normalmente está ideologicamente mais próximo daquele que representa maior risco para a democracia. Embora não pareça é um meio de defesa algo disfarçado.

Já escrevi que muitos comentadores, jornalistas e políticos desvalorizaram a eleição de Trump e de Bolsonaro com o argumento de que uma coisa seria a campanha eleitoral e outra a governação. Essa postura, mesmo que o neguem, coloca-os bem mais próximos dos eleitores de Trump e de Bolsonaro, sendo estes uma espécie de caricatura - bastante exagerada, admito - do que são os seus preconceitos ideológicos. Não perceber que há portas que se abrem que jamais se fecharão e que são suficientes algumas achas para que o incêndio se torne incontrolável, torna-os também responsáveis, mesmo se indiretamente, pelo crescimento dos populismos. Neste caso do populismo de direita, pois é esse que, neste momento, representa maior risco para a democracia. Trata-se de um caminho sem regresso e, sem o perceberem, colocam em risco a democracia que dizem defender. Curioso é que alguns dos que desculparam Trump e Bolsonaro têm hoje um discurso diferente, mesmo que não admitam que estavam enganados, o que me leva a crer que não é mais do que um discurso de circunstância, politicamente correto.

Tudo isto é ainda mais espantoso - será!? - quando se ouve, como já ouvi, que um determinado partido populista muito na moda não é neonazista ou fascista, porque afinal ninguém na rua se sente incomodado por as pessoas que o compõem. Como se, mesmo ignorando as ameaças de que algumas pessoas foram alvo, as propostas e os símbolos que propagandeiam, bem como a linguagem utilizada não fossem indicadores suficientes de tal pertença ou identificação. Tamanha complacência, sobretudo vinda de quem se pensa estar informado e e julga ter sentido crítico, representa ainda um risco maior para a democracia, sobretudo pela incapacidade de estas pessoas lerem a realidade.

Sejamos claros, neste momento o risco para a democracia não vem do populismo de esquerda, mas sim do populismo de direita. As circunstâncias e o enquadramento das sociedades atuais assim o evidenciam. Quem não percebe a diferença, e partindo do pressuposto de que não é ignorante e muito menos asno (embora também os haja), só podemos concluir que a sua postura é intencional, seja por proximidade ideológica, seja por aversão aos populismos de esquerda, seja ainda por conformismo na defesa de um status quo que não se pretende perder.

Nos dias de hoje, os estados autocráticos não resultam de golpes de estado levados a cabo por ditadores, mas sim da erosão e da corrosão das democracias provocadas por alianças, sejam elas implícitas, explícitas ou por mera omissão, entre partidos da área democrática e os populismos (hoje de direita). A complacência com que são tratados e o fechar de olhos aos focos de incêndio é a via para que um dia toda a floresta (democracia) arda por completo. E tudo isto por uma questão de poder, comodismo ou de uma hierarquização pouco clara de valores ou até a sua diluição numa imoralidade que se vai impondo como regra.

Tentem ser felizes em seara de gente.

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