A PROPÓSITO DE UM ARTIGO DE HENRIQUE NETO

O Engº Henrique Neto (HN) publicou no Jornal i online (ler artigo), no passado dia 13 de março, um texto de opinião que me merece alguns reparos e/ou comentários. Não é que isso me diga directamente respeito, mas qualquer cidadão tem o dever de exigir a quem ocupa o espaço público uma maior exigência. Só assim é possível nos tornarmos mais conscientes do papel que, enquanto cidadãos e cidadãs, temos na transformação da realidade.Como não sou leitor regular do citado jornal, um amigo enviou-me o dito texto.
Começa HN por atribuir responsabilidades aos partidos da área do poder por terem comprometido o desenvolvimento do país ao longo das últimas três décadas, sendo esta uma das principais razões responsável pela, segundo o próprio, aversão dos portugueses aos partidos. Feita esta ressalva, como pretendendo justificar a sua imparcialidade, parte para um ataque ao PS e ao exercício do poder desde os tempos de Guterres assancando-lhe - pelos anos de exercício do poder - as principais responsabilidades pelo estado actual do país e dando a entender que tudo o que de mau ou de pior aconteceu ao PS se deve, o que apenas é uma pequena parte da verdade. Vamos então por partes.
Nunca estive, direta ou indiretamente ligado a qualquer partido, por isso não me move qualquer motivação partidária. Não tenho qualquer relevância no espaço público, sendo apenas um simples cidadão com direito a opinião que, desde quase gaiato, iniciou o seu trabalho de militância social e vontade de transformação e, em consequência, política. Aprendi que as transformações só são perenes se envolverem as pessoas (os movimentos) e que não é de um qualquer púlpito, tanto ao gosto dos que têm solução para tudo - que o futuro se constrói. É preciso ser paciente, procurar entender a complexidade da realidade (com avanços e recuos) e ir construindo coisas que ajudem na transformação. Mesmo se pequenas. E estou certo que HN faz parte deste grupo de pessoas. Por isso, confesso, não gosto de quem se julga juíz moral de todos os outros, colocando-se à margem da sociedade a que pertence.
Não me espanta que Henrique Neto não goste da geringonça e está no seu direito, como também é um direito seu pensar que a geringonça ou a sua repetição coloca em risco a democracia. É verdade que as soluções democráticas nem sempre produzem os efeitos desejados, tratando-se sempre, independentemente do partido no poder, de uma procura de equilíbrios mais ou menos sustentáveis. Salvo em maiorias absolutas, cujos efeitos a longo prazo são prejudiciais para a sustentabilidade da democracia, essa é a realidade. Para quem se candidatou à Presidência da República, isto devia ser bastante claro. Aliás como foi clara a escolha de António Costa, pois a maioria das pessoas era isso que pretendia. António Costa apenas colocou em prática o que era o desejo da maioria dos portugueses. E, ao contrário de Henrique Neto, essa opção foi essencial para a nossa democracia na medida em que obriga os partidos a serem menos "preguiçosos" e mais construtivos na procura de soluções, sejam elas quais forem. Afirmar o contrário é pretender uma democracia de interesses onde o poder se distribui sempre entre os mesmos, os amigos, mesmo sendo de partidos diferentes. Isso sim, contribuiu e contribui para tecer redes de interesses pouco transparentes e que perduram no tempo. Pode argumentar, e não deixarei de estar de acordo, que a actual geringonça não fez mais que gerir a situação e que em termos de futuro pouco ou nada fez. Não existindo planeamento a longo prazo - alguma vez existiu?! -, o que implica entendimentos multipartidários, será que este ou outro governo pode ir muito para além da mera gestão? Sobretudo quando estamos tão dependentes das oscilações internacionais e integrados no espaço europeu? 
No que diz respeito aos nomes que enunciou e que atribui a Guterres o tê-los trazido para a política, não comento, sobretudo quando entre eles estão alguns reconhecidos por todos como grandes conhecedores da sua área. E com provas dadas. Porventura outros nem tanto, mas para tal deve incidir a sua crítica no que fizeram, deixaram de fazer ou omitiram e não apenas por serem X ou Y. O ter sido candidato à Presidência dá-lhe uma responsabilidade acrescida, nomeadamente nas posições públicas que toma.
É verdade que o governo de Sócrates, sobretudo o segundo, foi um desastre, mas perder a noção do passado significa não compreender o presente e ser incapaz de construir o futuro. Mas terá, mesmo se com uma grande quota de responsabilidade, o único? Vejamos alguns exemplos.
Primeiro há muito que o Estado foi tomado de assalto pelos privados, sem esquecer o mundo empresarial. Com o argumento de um Estado mínimo retirou-se, ao longo de décadas, à função pública as suas competências e desvalorizou-se o seu saber. Hoje raramente os estudos e pareceres são elaborados no interior da Administração Pública, para tudo se recorre aos interesses instalados que gravitam à volta do poder como pedintes incorrigíveis. Os economistas, pouco dados à verdadeira economia, inventaram a palavra outsourcing, o que, em português popular terá o significado de espoliação. São os partidos os únicos responsáveis? E nós cidadãos que nos acomodámos e fingimos não ver?
Segundo, ao que julgo saber, não cabe ao PS a responsabilidade da negociação das contrapartidas que a sua empresa, tal como outras, devia ter recebido de um grupo alemão. Recorda-se dos submarinos? E a propósito de milhões e de auto-estradas não me parece que caiba apenas ao PS a destruição de frotas e outras unidades de produção em nome da ilusão dos fundos europeus. E essa ideia dos yuppies e de como era fácil enriquecer, que teve o seu desfecho num BPN e que quase se ignora ou finge-se não saber de quem dessa manigância se aproveitou. Mas era tudo (ou quase) legal, embora pouco ético. E que dizer dos empresários que não se cansam de pedir ao Estado que invista na formação especializada, académica e profissional dos jovens, e que à saída oferecem salários miseráveis acabando muitos deles por serem recrutados por empresa estrangeiras? A economia não gera riqueza suficiente? Então como explicam a esses mesmos jovens que Portugal é dos países onde a diferença entre os salários mais altos e mais baixos, mesmo no seio das empresas, é maior? Como explica que sejam vários os estudos internacionais que dizem ser o problema das empresas em Portugal sobretudo um problema de gestores? Bem sei que é fácil acreditar na grande falácia que nos incutiram de que o capital cria riqueza, quando ele apenas a alavanca (e é imprescindível) cabendo ao trabalho a sua criação e transformação. Felizmente para quem tanto acredita nessa falácia, a robotização e a automação veio finalmente dar-lhes razão. Mas só em parte. Que dizer da venda ao desbarato de empresas rentáveis em nome de um "ir além da Troika"?
Terceiro, e que avaliação é feita da dinâmica criada e desenvolvida por Mariano Gago, por todos sobejamente reconhecida, cujos frutos são hoje bem visíveis e dos quais as empresas retiram dividendos?
Que dizer do abandono da mobilidade eléctrica - uma boa ideia - só porque quem a promoveu foi Sócrates? Alguns ficaram a rir-se, entre os quais a Alemanha que aproveitou. Esta ideia tão portuguesa - talvez latina - de que dependendo da pessoa tudo está mal ou tudo está bem, é uma espécie de sebastianismo colectivamente mal resolvido.
A alguém como Henrique Neto, que foi candidato à Presidência da República, que é um empresário respeitável, exige-se mais do que o mero enunciar de algumas maledicências. A ideia que fica é que existem feridas não saradas que lhe tolhem a visão e o impedem de expor sem qualquer remoque as suas ideias, porque as tem. As ideias afirmam-se pela positiva e de per si e não pela negativa com recurso à negação.
Tentem ser felizes em seara de gente.

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