TEMPO DE ESPERANÇA... E EXPECTATIVAS TEMPERADAS...


Não é por acaso que a direita diz não existirem atualmente diferenças entre esquerda e direita. Primeiro, têm um entendimento da esquerda restrito e balizado pelo código normativo de uma sociedade de mercado. Quem ouse se interrogar sobre esse normativo, será qualquer coisa de radical, mas certamente não de esquerda. O problema é que a direita vê a esquerda, e pretende que assim seja, como uma muleta das suas políticas ou, pelo menos que não questione determinados princípios normativos. Para a direita a realidade é simples: é aquela que é definida pelos mercados, por isso o acto de governação não é algo de complicado, basta-lhe ser pragmática e cumprir o que outros lhe ditam. Mesmo que nos digam que se interessam pelas pessoas - e há quem acredite - a verdade é que a sua realidade se reduz à aritmética ou, para os mais sofisticados, à matemática, embora se esqueçam propositadamente de algumas variáveis. Por isso a direita, e os muitos ditos comentadores e analistas que a acompanham, não compreendem o momento presente. Este é certamente um novo ciclo que pode trazer também alguma reconfiguração partidária, nomeadamente, devido à radicalização da direita, o aparecimento de um partido de extrema-direita e uma recolocação do PS e dos partidos à sua esquerda no espaço político. Não nos admiremos, o rapaz é ambicioso e sabido, de um dia ver Paulo Portas presidente do PSD.


Por mais que seja incompreensível aos olhos de alguns, há coisas que vale a pena dizer e sublinhar para que se balizem os muitos comentários a propósito do momento político que vivemos. Sei que à euforia contida de alguns corresponde a amargura sofrida de outros e a raiva incontida de alguns, mas relembremos o que convém não esquecer:
  1. Que António Costa dificilmente se coligaria com esta direita no poder, tal como seria quase impossível em tempos Manuela Ferreira Leite se aliar a José Sócrates, parece evidente. A direita ao unir-se e formar um bloco coeso, tecedeira de uma rede onde o poder político se confunde com os interesses económicos, conservadores e pouco dados a mudança, teve como resultado a vontade de unir as hostes contra o inimigo comum. Aliás, o PS teria muito mais a perder se se aliasse à Direita e quem nega essa evidência não entendeu nada do que se passou durante estes quatro anos que, diga-se, foi muito para além das medidas de austeridade. É estratégia pura e simples, e o óbvio não há como negá-lo!
  2. Embora sejam muitos os que não acreditam, a prazo a continuação da direita no poder seria muito mais prejudicial ao País do que os riscos que agora se vislumbram numa união das esquerdas. E esse terá sido um dos dilemas de António Costa. O resto é faz parte da retórica política e do populismo de pacotilha. Por outro lado, é evidente que estas transformações podem ser muito benéficas para a democracia portuguesa e, nomeadamente, para o envolvimento e participação cívica de todos na definição do nosso futuro coletivo.
  3. A tentativa tosca e atabalhoada da direita integrar no seu programa algumas medidas propostas pelo PS é a evidência de que para a direita não é o diálogo que importa, mas a relação de poder. Seria muito difícil, mesmo impossível diria, dialogar com alguém que se furtou sempre ao diálogo, que ignorou por completo a oposição e que, em situação de fragilidade em que necessita do PS, coloque neste o ónus da negociação. Para quem não se cansa de gritar que o PS perdeu as eleições, convenhamos que tal postura é, no mínimo, muito contraditória. Olhe-se para a postura do PS em relação aos partidos à sua esquerda e atente-se na diferença. À coligação faltou a humildade dos vencedores e a dignidade dos vencidos.
  4. Face aos resultados eleitorais, e por mais que isso seja doloroso para a coligação, o PS seria sempre ou pelo menos apareceria sempre como virtual vencedor. A arrogância de quem perdeu a maioria impediu que compreendessem a verdadeira situação e o que estava realmente em jogo. Essa falta de visão e falta de perceção da nova realidade transformou António Costa no verdadeiro vencedor e não apenas virtual.
  5. Ninguém negou, que eu saiba, à direita o direito de constituir governo. O único problema é que a sua margem de manobra parlamentar, à falta do PS, se reduziu a nada. Sublinhe-se o facto de esta minha argumentação ser em muito semelhante à utilizada pela direita em relação aos partidos à esquerda do PS, já que em ambos os casos lhes é apontado a dificuldade em darem passos no sentido da governação.
  6. Não entendo que uma direita que se diz democrática, embora a sua prática esteja cada vez mais distante daquela matriz, se arrogue o direito de governar apenas porque o status quo lhe é favorável (os mercados estão do seu lado). Mal das democracias se esse fosse o critério.
  7. Não se percebe, mesmo admitindo o jogo estratégico, que a direita tenha como julgamento do PS que este apenas é democrático quando a ela se alia e que não entenda que a democracia é feita de pontes e de compromissos independentemente dos programas. Esta direita, a quem falta cultura de diálogo e estatura democrática, tem dificuldade em fazer a destrinça entre compromisso (resultante do diálogo) e programas com alguns bónus (afirmação de poder), à semelhança do que se faz às crianças a quem se dá um bombom para delas obter algo.

É claro que a direita pretendeu, consciente ou por incompetência, encostar António Costa à esquerda, porque essa é uma estratégia que lhe convém partindo do pressuposto, de que ela própria se convenceu, de que teremos eleições muito em breve.


Contrariar esta convicção caberá apenas à esquerda e depende do grau de responsabilidade que cada um dos partidos quiser nesse acordo apostar. Sabemos que enquanto à direita, quando governo, lhe basta gerir o status quo que lhe é favorável, a esquerda terá que lutar contra ele, porque lhe é adverso. Por isso, a governação de esquerda tem muita dificuldade em gerir o período de uma legislatura, porque medidas que proponha tem que ser consonantes com o status quo sem perderem de vista a utopia do futuro. Se assim não for os seus efeitos podem ser contraproducentes. Enquanto cidadão de esquerda deixo aqui alguns «conselhos»:


  1. Não tenham pressa em fazer tudo num dia. «Roma e Pavia não se fizeram num dia».
  2. Sejam pragmáticos e racionais nas decisões colocando de lado a pressa em mudar.
  3. Sejam transparentes e eticamente irrepreensíveis na forma como exercem o poder, seja no governo, seja no Parlamento.
  4. Introduzam reformas, mesmo se pequenas, que possam produzir efeitos no futuro e que não coloquem em causa os nossos compromissos, concorde-se ou não com eles.
  5. Afirmem a voz do País nas instâncias internacionais, nomeadamente na Europa, mesmo sabendo que as mudanças estão para além da legislatura. Não se esqueçam que mesmo que não façamos parte do futuro, nem por isso deixamos de ser seus autores e atores do mesmo.
  6. Independentemente de quem tenha mais a ganhar ou a perder, o governo só tem sentido se for para uma legislatura. Se assim não for, os cidadãos e cidadãs de esquerda dificilmente compreenderão e todos os outros nunca vos perdoarão e, pior ainda, arriscamo-nos a ter a direita no poder por longos e bastos anos.
  7. Há questões, queiramos ou não, estejamos ou não de acordo, que são fundamentais no enquadramento que é o nosso, nomeadamente ao nível europeu. É certo que é nosso dever lutar para que se alterem, mas não se deve correr o risco de as desvalorizar ou fingir que não existem, pois esse seria um erro tremendo cujos custos pagaríamos penosamente.
Temos consciência de que o tempo que agora vivemos são uma novidade e porventura uma exceção, por isso o grau de exigência que a todos os envolvidos é pedido será, também ele, de exceção. Exige-se uma responsabilidade e um empenhamento que não se compadecem com vaidades pessoais ou/e estratégias partidárias.


Espero – todos esperamos – que estejam à altura do desafio, porque é isso que a maioria deste povo sofrido vos pede e exige. 

Não o desiludam.

Sejam felizes em seara de gente.

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