HOJE EU SOU GREGO!
Todas as opções, sejam elas quais forem, comportam riscos. O direito de optar, de escolher, é também ele um exercício de liberdade. O que confere dignidade às opções que tomamos é o facto de nos sentirmos parte de uma construção, pese embora os riscos que tal opção pode representar, ou seja, que o futuro que se nos apresenta não nos exclua, mas que nos sintamos também parte activa dessa construção. É aí que reside a esperança. Outra coisa bem diferente é entregarmos o futuro nas mãos de terceiros que mais não fazem do que nos roubar toda a dignidade e desenharem para nós um futuro onde só eles terão lugar. O povo grego optou e optar é um acto de liberdade. O mesmo não se pode dizer das instituições europeias e seus representantes que, através de várias pressões e ameaças mais explícitas ou mais encapotadas, mostraram o quanto os incomoda a vontade de um povo quando não são eles a escrever as regras. Deram-nos um triste e lamentável exemplo da forma como é entendida a democracia nas instâncias europeias e a dimensão do desrespeito que os seus dirigentes têm pelos povos e pelo exercício democrático. A Europa, entenda-se os seus dirigentes, continuam a não entender o rumo da História, as fissuras que se vão abrindo e que, a continuar assim, nos podem conduzir a um abismo sem retorno. Não entendem o quanto os povos estão cansados das suas imbecilidades, do seu autismo, da sua ignorância e das alianças de poder que mais não fazem que enriquecer alguns em detrimento de muitos. Importa relembrar que a própria Alemanha conta com cerca de 6 milhões de pessoas em incumprimento no que a empréstimos diz respeito. Os bancos alemães têm enriquecido à custa da crise e, apesar desta, a liquidez é de tal ordem que há cada vez mais investidores a aceitarem juros negativos, ou seja, pagam para que lhes guardem o dinheiro. E assim os bancos continuam a engordar até ao dia, tal como o sapo, rebentam. Quando nos dizem que o resgate dos países do sul teve custos elevados - é verdade que teve, mas para as populações -, esquecem-se de nos dizer que o dinheiro para salvar os bancos foi dez vezes superior ao montante total dos empréstimos aos países resgatados. É esta a Europa que esta gente construiu e nos querem continuar a impingir. E atenção, porque os movimentos de extrema direita emergem por toda a Europa. Mais uma vez, tal como no passado, a Europa caminha para o abismo pela mão da Alemanha. A confiança cega nos mercados só nos conduz a uma conclusão, a gente que nos governa está feita com o capital financeiro. Não deixa de ser surpreendente que duas das maiores agências de rating - Standard & Poors e Moody's - sejam investigadas por sobre-avaliação de produtos de alto risco, que provocaram a crise de 2008, e que os países continuem a confiar os seus destinos a estes usurários. Aliás, a S&P chegou a acordo com o Estado Americano, tendo de pagar a simbólica soma de 1 211 milhões de euros para que o caso fique definitivamente encerrado. Coisa pouca para quem continua a ganhar milhões com o mal dos outros.
Sou grego, porque admiro a coragem de um povo que ousa ser livre e assumir o risco de uma opção política contra o status quo.
Sou grego, porque me merece respeito um povo que ousa desafiar democraticamente os poderes instalados.
Sou grego, porque através do voto os gregos deram um lição aos medíocres dirigentes europeus, mostrando que os povos não são mera estatística ou exercício contabilístico ou financeiro, mas gente que tem expectativas, que sonha com o futuro e que tem consciência que o futuro só será possível se for colectivo e não o esboço de uns quantos iluminados.
Numa coisa estou de acordo com Passos Coelho: Portugal não é a Grécia. A diferença entre mim e o Primeiro-Ministro não está na afirmação, mas nas razões que a suportam. Enquanto para Passos Coelho o perigo é que nos identifiquem com a Grécia - uma cambada de malandros incumpridores - porque nós somos superiores e honrados, para mim é precisamente o contrário. Neste momento, através do Cyriza, a Grécia mostra ao nosso Primeiro o que significa fazer política a sério, muito diferente dos exercícios contabilísticos que mais se assemelham a jogos de adolescentes. Colocar o centro da discussão na dívida - onde ele realmente deve estar - e não apenas nos seus aspectos técnicos, isso é política. A discussão da dívida dos Estados e a procura de soluções é, antes de mais, uma questão política que a todos solidariamente deve comprometer. Infelizmente, Passos Coelho ainda não percebeu nada do que se passa à sua volta, seja por falta de visão, seja por falta de coragem (teimosia não é coragem, como eu já para aí ouvi dizer), seja ainda por um completo vazio de ideias. Enquanto o governo da Grécia mostra o que é estar ao lado do povo, dar-lhes esperança, lutar para que essa esperança se cumpra, outros preferem ser carrascos do seu povo e dar-lhe como alternativa o empobrecimento ou a morte. Enquanto uns têm estratégia para defender o povo que os elegeu perante os abutres da Europa, a outros apenas lhes resta o vazio de ideias e a ignorância, pensando bastar-lhes ser capachos de outros para que nos bolsos lhe caiam as migalhas. Uns são dignos do seu povo, outros nem mereceriam pertencer ao povo que governam.
Confesso que hoje quase sou atingido por uma pontinha de inveja da Grécia. Não é por mal, mas apenas por vergonha de quem me governa.
Sejam felizes em seara de gente.
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