MENTIRAS E MEIAS VERDADES

A política é porventura a área onde a mentira é meticulosamente cuidada e, infelizmente, se tornou quase uma «arte». Saber mentir em política é algo que faz parte da estratégia, já que para atingir os fins aceita-se a mentira como meio aceitável. A mentira pode assumir roupagens diversas consoante o momento, a estratégia, os interesses e os objectivos em jogo. Um dos objectivos subjacentes à mentira é que ela nos reporte dividendos. Pode acontecer que, apesar da mentira, não haja mentiroso, ou seja, que a fonte esteja convencida da veracidade da mesma. Dos vários rostos assumidos pela mentira,pode-se referir a mentira por omissão, que muitos dizem não se tratar de mentira, mas apenas ausência de verdade. Quando se omite algo de relevante para o esclarecimento dos factos ou procura de verdade, o que se pretende é que se acredite no seu contrário, ou seja, naquilo que nos afasta da verdade. Pode-se omitir o todo ou apenas parte. Um exemplo desta prática foram as audições a Maria Luís Albuquerque a propósito dos swaps e da estratégia utilizada  pela então Secretária de Estado de Vítor Gaspar. A então Secretária de Estado ao revelar apenas uma parte dos factos e dando-lhes um outro enquadramento, acabou por alimentar uma mentira, ou seja, impedir a procura da verdade. Aliás, um dos rostos também comum que a mentira assume é dar a determinado facto (que pode ser verídico) um outro enquadramento, o que induz as pessoas a desviar a atenção do essencial e, desse modo, afastarem-se da verdade. Um outro exemplo, é a interpretação que o governo tem feito do Memorando assinado com a Troika e a forma como dele se tem servido na luta política.

1. Independentemente da razão que lhes assista, a verdade é que não foi o governo de Sócrates a chamar a Troika, já que esse facto resultou de uma aliança estratégica e de conveniência entre toda a oposição. Poder-se-á argumentar que seria uma inevitabilidade e que as condições a que o então governo nos conduziu não poderiam ter outro desfecho que não fosse a intervenção da Troika, mas isso não apaga os factos. Note-se que pedido de ajuda não é o mesmo que intervenção da Troika como muitas vezes se pretende fazer crer. É verdade que também se poderá perguntar se os sucessivos PEC's teriam os resultados que impedissem a intervenção da Troika, é lícito que se duvide, mas o facto é que a Troika foi chamada porque Passos Coelho teve pressa em ocupar o poder e para o conseguir teve a preciosa ajuda da restante oposição e do Presidente da República.

2. O Memorando não foi negociado pelo PS, nem por ele assinado. O PS, digamos, foi o relator e o Coordenador da negociação, mas o documento foi acordado e assinado pelo PS, PSD e CDS. Aliás, é bom lembrar que na altura Eduardo Catroga se vangloriou por ter introduzido melhorias no documento. Imagino que os tempos que temos vivido lhe tenham dado razão, embora não no sentido que ele na altura nos pretendeu fazer crer. É normal que se argumente que Portugal estava em desvantagem nessa negociação e que devido à urgência esse foi o documento possível, mas não se pode atribuir unicamente a sua responsabilidade  - do documento em si - ao Partido Socialista.

3. O governo deveria ter vergonha de invocar o Memorando como desculpa para as medidas que foi tomando e as opções que foram as suas, uma vez que o assumiu, desde o início, como sendo o seu programa e pretendendo, de peito inchado, ir para além dele. Como diz o povo, é preciso ter lata!!!

4. O memorando sofreu várias alterações e foi alvo de sucessivas negociações nas sucessivas avaliações da Troika, uma vez que Portugal, e apesar das também sucessivas avaliações positivas, nunca cumpriu o estipulado, nomeadamente no que concerne ao défice. O problema, e por isso o governo nunca foi claro sobre o assunto, é que as alterações introduzidas e a renegociação nunca foram a favor do país, já que o actual governo sempre foi um fiel executante dos interesses da Troika e não do povo que o elegeu.

5. Um outro exemplo dos malabarismos com a verdade tem a ver com a reforma da Justiça e as acusações que foram feitas a António Costa de que, quando era ministro da Justiça, terá decidido fechar 49 tribunais. Ora o que aconteceu, e a maioria sabe-o, foi que António Costa mandou fazer um estudo em que essa era uma das medidas apontadas, mas sobre a qual nunca houve decisão. No caso, é um pouco mais do que mentira, já que revela um comportamento de actuação por má fé. Ainda a propósito da Justiça e do colapso do CITIUS, a comparação que a ministra fez, para se desculpar ou minimizar a sua incompetência, com uma experiência piloto feita em 3 Comarcas ao tempo de Sócrates, a qual na verdade correu bastante mal, mostra como o enquadramento do facto altera profundamente a procura da verdade. A experiência piloto serviu precisamente de teste de forma a não colocar em causa, como agora, o normal funcionamento dos tribunais. Experiência essa que bem poderia ter servido de lição à actual ministra.
Ainda no que toca à Justiça uma outra mentira, ou meia-verdade, está a ser veiculada, nomeadamente pelo Primeiro-ministro, que é o facto de todos os problemas estarem resolvidos dentro de algumas semanas. Ao omitirem as consequências deste colapso, referindo-se apenas aos problemas da plataforma, estão a alimentar uma mentira. Os problemas resultantes deste colapso levarão anos a ser resolvidos (informação dos próprios agentes da Justiça), o que terá custos elevadíssimos, sem contabilizar os danos colaterais e prejuízos para os directamente envolvidos em processos. Os custos de tamanha incompetência só o futuro nos dirá.

6. Uma outra mentira muito actual prende-se com o Orçamento de Estado para 2015. Infelizmente, e como já vem sendo hábito, os comentadores da praça e a maioria dos jornalistas cai no engodo, seja propositadamente, seja por ingenuidade. Dizer que o IRS irá baixar, quando o que se fala é da baixa da taxa extraordinária de 3,5% para 2,5%, embora sendo verdade não deixa de ser uma mentira, já que omite informação e dá-lhe novo enquadramento. A taxa de IRS mantém-se, o que baixa é uma pequena percentagem de uma taxa temporária, extraordinária e que, por isso mesmo, deveria ser eliminada. O que devia ser dito é que a contribuição extraordinária irá continuar, mesmo se ligeiramente reduzida. Parece, segundo as últimas notícias, que nem isso irá acontecer. É verdade que isso significaria um ligeiro alívio da carga fiscal (partindo do pressuposto de que não haveria outros impostos indirectos), mas importa dizer as coisas como elas são e não como gostaríamos que fossem.

Como se viu, em política - talvez como em muitas áreas da vida - a mentira assume várias variantes, aparentando algumas vezes ser o contrário ou aparecendo como uma mentira encapotada. Estejam atentos e tentem ser felizes.

Sejam felizes em seara de gente.

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