QUEM NÃO DEVE NÃO TEME

1. NOVO BANCO E VELHOS HÁBITOS

A Equipa de Vítor Bento, nomeada pelo Banco de Portugal para a administração do Novo Banco (a perna não gangrenada do BES), pediu a demissão por as condições actuais não corresponderem àquelas sob as quais foram nomeados. O problema tem sobretudo a ver com a pressa que o Banco de Portugal e o Governo têm em vender o banco. Apesar do engulho que tal posição possa causar em algumas cabeças, parece-me -pelo menos na aparência - justa, sensata e honesta. Tomara eu que esse fosse o comportamento de muitos políticos e dirigentes das instituições que interferem com a nossa vida. A fazer fá nas notícias vindas a lume nas últimas horas, a próxima equipa já terá sido constituída e será liderada por Eduardo Stock da Cunha, banqueiro que no momento se encontra a trabalhar com o já famoso António Horta Osório no Lloyds, em Londres.
Diz o povo que quem não deve não teme. Concordando com a sabedoria popular enquanto princípio, sempre tive dúvidas em aplicar a máxima em contextos que quem mais deve temer é precisamente quem não deve, ou seja, todos nós. Sem me alongar em juízos de valor sobre a administração demissionária e aquela que se segue, os comentadores da nossa praça não deixarão de o fazer, deixo-vos contudo duas breves notas para reflexão.

  • Não entendo qual a pressa do Governo e do Banco de Portugal de apressarem a venda do Novo Banco. Diga-se em abono da verdade que no que toca a vender o Governo tem sempre pressa em arrecadar mais uns milhões. Tanta pressa obriga-nos a desconfiar. Coloco duas hipóteses: Primeira, ou eles sabem (o Governo e o Banco de Portugal) o que nós e o «pobre Cavaco» não sabemos ou, Segunda hipótese, eles receiam que ao bom estilo do BPN possa haver outros buracos sem fundo. Enquanto a primeira hipótese revela crime por omissão, a segunda é reveladora de autoconfiança. Pode também existir uma terceira hipótese, embora absurda, é que seja qual for a administração o supervisor não confia. Ou seja, a partir de agora (nunca é tarde) o supervisor desconfia de todos os banqueiros.
  • Se é verdade que a administração que agora se demitiu já havia avisado e comunicado ao Banco de Portugal a sua intenção, por que razão não fez o supervisor o seu trabalho evitando assim este pequeno hiato? Caso a administração se tenha demitido sem comunicar com antecedência ao Banco de Portugal, então o irresponsável não será o supervisor, mas Vítor Bento. Fica a dúvida de a quem conferir o grau de irresponsabilidade.
O caso BES deveria servir de lição a todos nós, mas sobretudo a quem tem responsabilidades, nomeadamente no que toca à supervisão bancária ou, em sentido mais lato, financeira. Apenas três notas para reflexão:
  • A cultura, tão enraizada neste país, de que quem tem poder e estatuto é presumivelmente honesto é a confirmação do quão preconceituosa é a sociedade e de como a convivência é harmoniosa entre o poder económico, financeiro e político.
  • De uma vez por todas, é preciso perceber que o mundo financeiro não é confiável e não pode ter rédea solta, são demasiados os interesses que giram à sua volta para que sobre eles se faça vista grossa. Era bom que a própria Europa olhasse para esta questão com outros olhos, deixasse de ser hipócrita e acabasse de vez com as transacções pouco transparentes nas praças europeias, nomeadamente Luxemburgo e Ilha de Jersey (Inglaterra).
  • Este caso é um bom exemplo de como a responsabilidade social das empresas, tão na moda, é apenas para embelezar os relatórios, potenciar a imagem e poupar alguns tostões (o custo da publicidade é bem menor). Não significa isto que não seja importante, mas não tanto como pretendem fazer crer, pois a essas empresas falta consciência social e perceberem qual o seu papel na comunidade. Aliás, basta olhar para o número de Fundações, nomeadamente das Instituições Financeiras, para percebermos que nem tudo é transparente.
Na verdade, a qualidade da democracia não depende apenas de mudanças nos instrumentos de representatividade (por exemplo, lei eleitoral), mas de cada um de nós na medida em que, nos locais onde nos encontramos, saibamos dar corpo às ideias sem atropelarmos as dos outros. E todos sabemos, sobretudo no mundo do trabalho, mas também na família e na vida associativa, como os atropelos à democracia são constantes. Contudo, nós gostamos - é bem mais fácil - de apontar o dedo a outros, esquecendo que as sociedades só serão verdadeiramente democráticas se os seus cidadãos e cidadãs o forem.
Sejam felizes em seara de gente.

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