CULPA NÃO É RESPONSABILIDADE


Em Portugal, talvez à semelhança de outros países latinos, confunde-se ou mistura-se com frequência culpa e responsabilidade. Aliás quando se fala da criminalização das opções políticas é disso que se trata, mesmo se os seus defensores não o percebam. Mais do que isso, revela a fragilidade de uma sociedade civil que reconhece a sua incompetência para ela própria se constituir como crítica e guardiã de uma democracia que deseja, mas pela qual pouco luta. Uma vez que, na prática, as iniciativas da sociedade civil são assumidas pelas suas elites e estas, além de preguiçosamente acomodadas e sem rasgo mental inovador digno de aplauso, têm em muito pouca conta o bem colectivo, pode-se assim concluir que a responsabilidade não é fato que assente bem aos portugueses. Os portugueses estão muito mais próximos da culpa, dessa forma desresponsabilizante de sacudir a água do capote e de atribuir a terceiros os males que eventualmente causaram, directa ou indirectamente. A culpa implica castigo e enquadramento legal que previna falhas futuras, ou seja, regras em cima de regras, procedimentos de procedimentos, controlo atrás de controlo, transformando o que se pretende eficaz e eficiente num emaranhado de regras, procedimentos e legislação que tornam tudo eficientemente ineficaz. A responsabilidade, ao contrário, não exige castigo e requer regras, procedimentos e legislação mínimos, embora exija que cada um aprenda com os seus erros e faça cada vez melhor. A grande diferença entre uma cultura de culpabilização e de uma cultura de responsabilização, é que enquanto na primeira o objectivo é não errar, na segunda o objectivo é melhorar. Embora pareça, não é a mesma coisa e os resultados, a médio e longo prazo, são bem diferentes. A culpa, o medo de errar, castra a criatividade e a inovação e alimenta a estagnação; a responsabilidade, o desejo de melhorar, potencia a criatividade e a inovação, alimenta o desejo de ir sempre mais além.
O que aconteceu na Justiça, com o CITIUS, e na Educação, com a colocação de professores, é exemplo de como fugimos a sete pés da responsabilidade. É nobre atitude que os ministros peçam desculpa, sobretudo quando tal acto signifique humildade e desejo de fazer melhor, o que a mim me deixa sérias dúvidas. Apesar da nobreza, essa é atitude bem insuficiente para o tamanho e gravidade do sucedido. Até porque ambos os ministros assumiram a pés juntos que tudo iria correr às mil maravilhas. Foram enganados, alguém não fez o seu trabalho e os informou mal, esse não é problema meu e deve ser resolvido (e bem, assim se espera de um governante) no seio do respectivo ministério e atribuídas as competentes responsabilidades. Aos ministros cabe assumir a responsabilidade colectiva, perceber e explicar o que não correu como se esperava. Uma das regras básicas de quem chefia é defender a equipa e uni-la sobretudo quando surgem os problemas, já que ao chefe cabe a responsabilidade última. Não se pode por em questão todo um grupo, só porque dá trabalho e correm-se riscos em assumir responsabilidades. Os problemas da equipa são resolvidos por ela e no seu interior. Não basta querer fazer, é preciso que o objectivo seja exequível e em que todos se sintam responsabilizados, mas nunca responsabilizar outros por aquilo que não lhes cabe. Esse é o método de uma cultura da culpa, muito mais interessada em encontrar bodes expiatórios do que encontrar soluções para os problemas.
Este é um país sem futuro, onde os empresários não estão interessados, nem preocupados em produzir mais e melhor, mas apenas em pagar menos. Onde os políticos não estão interessados em governar ou preocupados com o futuro colectivo, mas em ganharem poder e assegurarem o seu futuro dourado. Onde os deputados não se preocupam com os eleitores e com o país, mas em manter o seu lugar, mesmo prostituindo-se em nome do partido a que pertencem. Onde os comentadores, jornalistas e outros donos do saber, são profissionalmente e mentalmente preguiçosos, limitando-se a repetir, até à exaustão, o óbvio. Onde todos estão preocupados com o país, mas ninguém quer saber do povo que o habita. Onde os únicos preocupados com o país é o Povo, não porque goste dele, mas porque no meio de tamanha indiferença e inércia é sempre o povo que paga a conta da irresponsabilidade.
Infelizmente, o país nunca dará o salto desejado enquanto a cultura da culpa não for sendo substituída pela cultura da responsabilidade.

Sejam felizes em seara de gente.

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