PAÍS À DERIVA SEM PORTO DE ABRIGO

Em ocasiões diversas, em momentos em que tive oportunidade de intervir, chamei a atenção para comportamentos que pareciam enraizar-se na sociedade portuguesa, sem que com isso alguém se preocupasse, os quais teriam inevitavelmente consequências futuras. Esse tipo de comportamento, embora já existisse, ganhou corpo e instalou-se definitivamente nos tempos em que Cavaco Silva era Primeiro-Ministro, período que corresponde a grande afluxo de fundos europeus. O aparecimento e acarinhamento pelo poder dos Yuppies é apenas o exemplo acabado desse comportamento. A partir desse período, esse tipo de comportamento nunca mais teve retrocesso e o estado a que chegámos resulta também, em parte, dele. A ideia de que os fundos recebidos eram um direito – e eram-no certamente – esquecendo por completo que eles eram também o resultado dos impostos de outros cidadãos europeus, criou no nosso subconsciente colectivo uma desresponsabilização e falta de consciência moral que conduziu aos maiores atropelos no que à sua aplicação se refere. Essa falta de consciência fez com que a aplicação desses fundos fosse não o resultado de um planeamento estratégico do futuro, mas uma forma fácil de nos equipararmos aos nossos pares europeus cultivando a aparência de um país desenvolvido. De repente, praticamente toda a sociedade, desde o simples cidadão até às grandes empresas, passando por escritórios de advogados e empresas de formação, passou a viver dependente e em função dos fundos europeus: formação, agricultura, obras públicas, emprego… É verdade que em troca tivemos que vender um pouco da nossa alma (pescas, agricultura, indústria…), mas que importância tinham esses pormenores se o discurso era de convergência com os padrões europeus!? A forma como a exigência dos fundos nos era apresentada e todo o discurso que a partir daí se construiu, distraiu-nos da realidade, convidou-nos ao ócio criando a ilusão de que tudo era possível e fácil e, quando nos demos conta, percebemos que a realidade era bem mais dura e que os mesmos que outrora nos apontavam um futuro risonho, dizem-nos agora que nos portamos muito mal e que a culpa de tudo isto é dos nossos desvarios. O grande problema desta argumentação é que os principais responsáveis foram os menos penalizados (se é que o foram?!) e que, por isso mesmo, continuam mais ridos enquanto outros empobrecem. O caso dos bancos é o verdadeiro paradigma de toda esta situação. E são os mais penalizados, com salários imorais, com uma lei laboral cada vez mais iníqua, à mercê dos vários poderes, que continuam a enriquecer e a pagar as contas dos verdadeiros responsáveis.

É verdade que a entrada no euro trouxe à tona não apenas as debilidades e fragilidades da construção europeia, mas também e sobretudo as fragilidades e debilidades de uma país que,e apesar das oportunidades, não se havia preparado para o exame. Pensou-se, erradamente, de que as coisas se resolveriam por si. E foi assim até aos dias de hoje. E quando assim é, o chumbo só por sorte seria inevitável. E como a sorte é madrasta, sobretudo para os «espertalhões», aqui estamos nós à deriva no meio da tempestade, com capitães inexperientes e incompetentes, sem sabermos onde será o porto de abrigo. Mas, pior ainda, os piratas experimentados continuam a rondar o navio à espera da rendição ou do momento de novo saque.

 2014, pelo que já nos é dado saber, não será melhor que 2013. Mas pior que essa certeza, é a certeza de que nos próximos anos nada de bom nos espera. Dois indicadores são verdadeiramente preocupantes e são o espelho do que será o futuro: a baixíssima taxa de natalidade e o grande número de jovens altamente qualificados que se viram obrigados a emigrar e que dificilmente voltarão e, ao contrário do que acontecia outrora, não enviarão as suas poupanças para Portugal. São cidadãos do Mundo (a globalização tem também destas coisas!) e irão para onde forem bem recebidos, reconhecidos e onde terão a oportunidade de colocarem as suas competências ao serviço da comunidade seja ela qual for. Este País, o seu, expulsou-os como outrora expulsara outros. Se não invertermos rapidamente o caminho, seremos no futuro um grande lar de idosos abandonados e uma pequena estância de férias para os abastados da Europa que um dia sonhamos ser.

Uma última nota sobre o perdão fiscal e a recuperação de dinheiro devido ao Fisco e Segurança Social por parte de prevaricadores. É bom que se recupere, sobretudo num momento em que os recursos financeiros são escassos. Mas houve quem, apesar das dificuldades, cumprisse, o que transforma o facto numa grande injustiça. Proponho que os reincidentes sejam fortemente penalizados para que não se fique com a ideia de que o crime compensa, pois é essa forma de estar que leva a que os cidadãos desconfiem do Estado e que alguns dele se aproveitem.

Tentem ser felizes em seara de gente, porque só com outros é possível construir o futuro.

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