COMO É CURTA A MEMÓRIA DOS POVOS E GRANDE A IGNORÂNCIA DOS DIRIGENTES

1. EUROPA

manguitoDe repente alguns dos líderes europeus parecem preocupados com a catástrofe que parece anunciar-se com as próximas eleições europeias. Para quem tem em mãos parte do destino dos 28 países que atualmente fazem parte da União Europeia, o que se pode dizer é que, por incompetência ou confiança exagerada no saber que não possuem, andaram distraídos demasiado tempo. Não perceber que as crises são terrenos férteis ao despontar de nacionalismos balofos e ao agudizar de tensões que tendem a fortalecer movimentos de extrema direita, é fingir não ver a realidade ou ignorar as lições da História. Sabe-se que é durante os períodos de crise que as vítimas tendem mais facilmente a culpar outros, apenas porque são diferentes, do mal que lhes acontece. É o instinto de defesa do território e do isolamento que se sobrepõe à racionalidade do futuro. A ideia de que resistimos melhor à adversidade no isolamento não tem qualquer validade e assenta apenas no exacerbar de conceitos retrógrados e na exploração do receio e do medo, próprios e naturais em momentos de adversidade, por quem tem objetivos pouco transparentes e claros e se julga acima de qualquer lei. As consequências de tais atitudes são bem conhecidas e seria bom, em nome do futuro, que não fossem esquecidas. Na verdade, a incompetência dos líderes europeus e a sua incapacidade de leitura da realidade, bem como a falta de visão crítica da História pode ter como consequência, nas próximas eleições europeias, que cerca de um terço das cadeiras do Parlamento Europeu sejam ocupadas por pessoas que são não apenas contra a construção europeia, mas que defendem ideologias xenófobas e totalitárias. A incapacidade da Europa para lidar com a crise, a construção apressada de várias normas e tratados, o desejo insaciável de centralização e de tudo controlar, a imposição de normativos desadequados e contrários à realidade vivida pelos diferentes povos, conduziu a Europa à situação que agora alguns líderes europeus tanto temem. A tudo isso acresce uma grande falta de solidariedade entre os países, a divisão entre os países do Norte (exemplares, trabalhadores e poupadinhos) e os países do Sul (mal comportados, preguiçosos e esbanjadores), esquecendo os do Norte o quanto enriqueceram à custa dos desaires, para os quais eles muito contribuíram, dos do Sul. Tudo isto revela-nos uma Europa e líderes europeus incapazes de conviver com a diferença, com o confronto de ideias, com a insegurança das construções colectivas, com as decisões democráticas, preferindo a homogeneização, o exercício de um poder autocrático e autoinstituído em vez de uma autoridade fundada no exemplo, hipotecando decididamente o futuro de todos. Admite-se que os povos tenham a memória curta, mas aos dirigentes não lhes é admissível a ignorância e cabe-lhes a eles relembrar as lições do passado e tudo fazer para que os erros não se repitam. A esta Europa e a estes líderes, faço o manguito.

2. PAÍS – O Governo

Todos nos devemos regozijar com a notícia de que o défice de 2013 é menor do que o previsto e é natural que o Governo, enquanto responsável pela governação, seja o primeiro a fazê-lo. Contudo, sobretudo aos governantes exigir-se-ia alguma contenção e honestidade intelectual e governativa, tentando ser verdadeiro na avaliação. Bem sei que os «princípios» da guerrilha política nem sempre são coincidentes – ou muito raramente o são – com os bons princípios de transparência de uma democracia madura. Para tal seria à partida exigível que tivéssemos políticos maduros, o que parece estar longe da realidade. O Governo é semelhante àquele aluno que tendo tido uma boa nota no teste, não por mérito, mas por meio de processos pouco ortodoxos, não se descose e, pior ainda, vangloria-se do facto. É evidente que muitos dos seus colegas se sentirão injustiçados por não verem reconhecido o seu esforço. Infelizmente, e em muitas das áreas da nossa sociedade, casos semelhantes são bem frequentes. Basta olhar para a forma como muitos dos cargos foram sendo ocupados ao longo das décadas. Mas voltando ao tema deste ponto: o mérito ou desmérito do governo na diminuição do défice. Todos sabemos e sentimos que a diminuição do défice não foi feita à custa de uma gestão rigorosa da parte do Governo ou a uma reorganização do Estado, mas sobretudo à custa de uma carga brutal nos impostos, ou seja, de um roubo descarado do rendimento a que as pessoas têm direito. Por isso mesmo, seria natural que o governo o reconhecesse e agradecesse a todos os que para tal contribuíram. O problema é que o governo não pode fazer isso, porque tal atitude só seria possível se tivesse para oferecer um horizonte de futuro, ou seja, mostrar que todos os sacrifícios tinham valido a pena em nome de um futuro que se anunciaria risonho. Ora o que o governo tem como futuro é que cumpriu o memorando imposto pela Troika, o que, diga-se, é nada. Segundo parece e me foi dado ler, o Plano Estratégico é bem o exemplo de tamanha aridez, pois os sectores estratégicos (energia, comunicações e transportes) são precisamente aqueles cujos ativos o governo desbaratou (vendeu). O que eu ainda não sei é como será possível cumprir nos próximos anos o que as mentes brilhantes de Bruxelas inventaram e estipularam: défice a 0,5% do PIB e dívida a não ultrapassar os 60% do PIB. Sobretudo quando já não se tem os ativos que poderiam contribuir para a uma aproximação a essas metas. Como a memória é curta, já toda a gente esqueceu a carta de despedida de Gaspar e os recados que nela estavam escritos.

3. PAÍS –  O povo

Foi feito um inquérito à população portuguesa sobre a sua sensibilidade à pobreza e à justiça social e a conclusão a que chegaram os autores do estudo é que quanto maior for a formação das pessoas e o seu estatuto social menos sensíveis são à pobreza e à questão da justiça social (ler a este propósito a crónica de José Tolentino Mendonça no Expresso de 25-01-2014). Este estudo confirma que consciência social é coisa que não existe no povo português e à qual as elites são avessas. Não admira, por isso mesmo, que tenhamos o governo que temos, os empresários que temos, os gestores que temos. Na verdade, somos facilmente contra os ricos, aversão a roçar a inveja, mas facilmente desculpamos os processos, ou seja, a forma como adquiriram essa riqueza. E, como diz o povo, «ninguém enriquece com o seu salário», o essencial não está na condição de ser rico, mas no que se fez para lá chegar. E disso, não temos consciência. E, quando por momentos ela nos assola, logo nós generalizamos (são todos iguais) desvalorizando o que devia ser valorizado e punido. Quando as elites são tão pouco sensíveis à problemática da justiça social o futuro para os mais desprotegidos da sociedade não augura nada de bom. Por disparatado e contraditório que pareça, a dimensão do Banco Alimentar e as sucessivas campanhas mostram isso mesmo. E, como já aqui escrevi, gostaria de saber qual o encaixe das empresas (volume de negócio dos produtos doados) e do estado (IVA) com a diversas campanhas, já que, o que me parece, é que os únicos que dão são aqueles que menos condições teriam para o fazer.

E de memória curta se vai a História repetindo.

Sejam felizes em seara de gente.

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