UM PAÍS A FINGIR

Alguém se lembrou – um desses economistas doutos que pensa ser a realidade a que lhe mostram as teorias – que a maioria dos reformados finge ser pobre. Imagino que na sua cabeça os ricos deste país não o sejam realmente, mas apenas finjam. Não percebo qual o interesse em fingirem a sua riqueza, a não ser que pretendam libertar-se da canga dos impostos, já que sendo rico encontra sempre alguma forma de escapar, enquanto que ao pobre a única saída que lhe resta é pagar e… seja o que Deus quiser. Este é realmente um país de fingidores. Imagino que nessa douta cabeça muitos dos pobres – os que não têm emprego, mas têm filhos para alimentar; aqueles a quem negaram o RSI ou cortaram ou reduziram o abono de família; os reformados a quem espoliaram e que, como castigo, têm que ajudar filhos e netos; aqueles que se veem obrigados a ter dois ou três empregos para sobreviverem, abdicando da família (que esses doutos tanto defendem) –, apenas finjam ser pobres. Talvez por masoquismo, visto haver quem diga que somos um povo masoquista que encontra no fado (de que muito gosto) o espelho do seu destino. Na verdade, o desemprego, a emigração dos jovens, as pessoas que passam fome, os estudantes que deixam de o ser por falta de meios, as empresas que fecham, nada disso existe, é pura ilusão, já que todos passam o tempo a fingir. Tenho para mim – é apenas uma teoria – que muita dessa gente douta não são nada do que aparentam, mas apenas fingem ser o que os outros querem que sejam! Aliás, o próprio país não passa de um fingimento, já que quem mais ordena não será o povo, mas uns patéticos robots que cumprem apenas ordens de um qualquer Reich, Troika, Triunvirato ou desse deus sem rosto e sem escrúpulos a que chamam mercado. Aliás, o mercado tornou-se um bom argumento para quem não tem argumentos ou é falho em reflexão. É também uma boa desculpa para a incúria, a incompetência e a desresponsabilização. A culpa é sempre de alguém e se for do mercado, tanto melhor, o assunto fica resolvido e ninguém suspeitará do que quer que seja.

Não se preocupem porque o orçamento que aí vem é apenas a fingir.Mas apenas uma parte, porque a outra é a sério. A parte a sério é aquela que diz respeito aos sacrifícios (basta fingir), porque a outra, aquela que diz respeito aos objetivos do défice, essa é mesmo só para Troika (mercado) ver.

Um povo que finge acomodar-se é um povo condenado à indiferença e sujeito ao poder discricionário dos sem escrúpulos (do mercado e dos pequenos ditadores). Um país que apenas finge ser um País está condenado ao desaparecimento, mesmo se fisicamente continue a existir. Um governo que finge governar está sujeito ao escárnio e à maledicência acabando sem glória o que nunca terá iniciado. Uma oposição que apenas finge ser alternativa condena-nos a todos a fingirmos uma esperança que sabemos não ser possível. Será que apenas nos resta fingir para que não suspeitem da revolta que nos vai na alma e para que não vejam as feridas que em nós sangram? A continuar assim apenas nos resta o suicídio enquanto País.

Sejam felizes em seara de gente. Já agora, sem fingir.

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