OS (IN)DECISORES POLÍTICOS

1. REFORMA DO ESTADO

O tão aguardado, e também o tão tantas vezes adiado, documento sobre a reforma do Estado viu finalmente a luz do dia. Nesta longa espera foram-se criando expectativas quanto ao documento e ao seu conteúdo, sobretudo face aos arrufos do passado protagonizados pelo seu autor – Paulo Portas – e aos desentendimentos entre os partidos da coligação quanto aos cortes. Infelizmente, expectativas defraudadas tem sido o prato que este governo nos tem servido amiúde e também no caso presente a ementa não variou. Este sentimento de expectativas defraudadas prende-se não apenas com os sucessivos adiamentos, os quais pressuponham dificuldades sérias na reflexão sobre as questões em jogo e sobre as possíveis soluções, mas também com a necessidade por todas sentida, embora nem sempre verbalizada, da importância de tal objetivo. Isso significaria, mesmo num documento aberto, que o que nele consta estivesse devidamente fundamentado, com as fontes devidamente identificadas, com objetivos claros do pretendido, deixando, contudo, em aberto as eventuais soluções. Ora o documento – e é já um esforço nomeá-lo com tal – é tudo menos isso. Mais parece um trabalho de um aluno que, acossado e pressionado pelo professor, decide fazer qualquer coisa atabalhoadamente apenas para se ver livre dele. Mesmo o argumento de que se trata de um documento genérico e aberto à discussão não colhe, porque não se sabe exatamente qual o centro da discussão, uma vez que sendo falho em fundamentação, acaba por ser tão válido o proposto como o seu contrário. Ou seja, o balizamento da discussão sobre a necessidade da reforma do estado tem como base o senso comum, o que, diga-se, vindo de um governo é não apenas muito pouco, mas vergonhoso.

O documento teve o grande mérito de fazer deslocar o debate do que, neste momento, seria essencial – o Orçamento – para algo de secundário neste momento. E este facto foi premeditado e pensado, tendo a oposição e comunicação social caído na esparrela.

A reforma do Estado, sendo uma questão de sustentabilidade é também, e sobretudo, uma questão ideológica. Por isso é importante que o PS a assuma abertamente contrapondo ao documento ideias claras, reflectidas e devidamente fundamentadas. Para ser verdadeira alternativa não é suficiente que o governo não governe ou governe mal, é necessário construí-la, dar-lhe forma e, sobretudo, que contenha em si o futuro. Que não se confunda alternativa com uma simples alternância de poder. E que fique claro: tratando-se de uma questão ideológica ela terá que ir necessariamente contra os interesses instalados, mormente económicos, que minam a ação política, mas também interesses dos aparelhos partidários, sobretudo ao nível local, que importa combater e desinstalar. Há que reconhecer que a reforma do Estado é um assunto complexo que não se coaduna com meia-dúzia de ideias genéricas e de senso comum, mas que exige trilhar colectivamente um caminho, o qual além de muito exigente e longo não será nada fácil. Há que decidir, em primeiro lugar, que tipo de sociedade pretendemos, já que o Estado que pretendemos dependerá da resposta a essa pergunta. Pessoalmente, quero uma sociedade solidária, inclusiva e responsável, onde todos tenham lugar, e não uma sociedade mercantil, exclusiva, onde apenas alguns – muito poucos – terão lugar.

Sendo a reforma do Estado um caminho longo que importa percorrer, há contudo pequenas mudanças que não dependem dela e que podem ser importantes na mudança de comportamentos, tanto dos governantes como dos governados. Depende apenas da humildade e da vontade de quem nos representa. Eis apenas algumas:

  • Reconhecer que as causas que nos trouxeram a este ponto, embora dependendo também de terceiros, não são da única responsabilidade dos últimos governos ou de um ou outro governante em particular, mas que radicam sobretudo na ausência de um modelo colectivo de desenvolvimento e ausência de definição de prioridades, deixando na mão de interesses que se foram instalando a governação do País.
  • Maior transparência: colocar on-line todos os contratos e projetos adjudicados, nome das empresas, intervenientes e decisores diretos de ambas as partes, montantes envolvidos, montantes previstos e montantes realmente pagos, período de execução previsto e real. Isto tanto para o Estado central como para o poder local e empresas do Estado.
  • Deputados em exclusividade sem qualquer tipo de atividade fora do parlamento, seja ou não remunerada. Indicação das suas ligações a empresas antes de serem eleitos.
  • Valorizar a criação de emprego, direto ou indireto, sobretudo se for emprego estável.
  • Carta de deveres e obrigações, com valor legal, para as empresas que recebam determinados apoios, para além do período de vigência dos mesmos.

Sendo verdade que a reforma do Estado é uma questão central, não existirá reforma possível sem transparência e sem que se alterem alguns dos comportamentos da elite que nos governa. Essa falta de moralidade de gente bafienta que se assume como moralmente insuspeita, mas que corre a sentar o seu traseiro em Conselhos de Administração ou outras cadeiras igualmente generosas para os seus bolsos de trabalhadores incansáveis e altamente (im)produtivos. Este País está cheia de gente desta e o poder convive de forma leviana com situações promíscuas que ele próprio criou ou favoreceu.

2. EUROPA

Em França, segundo as sondagens, se hoje houvesse eleições haveria fortes probabilidades de o partido neo-nazista, Frente Nacional, de Marine Le Pen as vencer.

A Europa, ou seja, os líderes europeus deram-nos mais um exemplo da sua incompetência, falta de visão e de estratégia para a Europa e alheamento da realidade. Quando tinham em cima da mesa um dos maiores dramas humanitários que afecta quotidianamente um dos seus membros e todo o Continente, os líderes europeus brindaram-nos, mais uma vez, com a sua já habitual indecisão, ou seja, mais um adiamento. Por vezes, temos infelizmente a sensação de que o Conselho Europeu não passa de um grupo de amigos que se reúnem para mandarem umas bocas sobre alguns dos assuntos da atualidade. Lampedusa é demasiado grave e dramático para que estes senhores e senhoras se entretenham a fazer tricot político, a jogar às cartas das personalidades ou a brincar às escutas.

Sejam felizes em seara de gente.

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