INDIGNAÇÃO E REVOLTA
É cada vez mais difícil, mesmo insuportável, aguentar as diatribes de um governo que revela o mais profundo desrespeito pelos cidadãos que o elegeram. Já não se trata apenas do grau de dureza e insuportabilidade das medidas, as quais podem sempre encontrar suporte e argumentação no momento difícil que vivemos e nas fragilidades da nossa economia. Trata-se sim do desrespeito pela ordem jurídica ou, ainda mais grave, na ideia de que o poder tudo permite, nomeadamente espezinhar os valores que cimentam o respeito e a confiança entre cidadãos e estado e vice-versa. Aí reside, não apenas o grau de cultura democrática – ou ausência dela – dos governantes, mas também o grau de maturidade de uma democracia e, no caso, a nossa. Se é verdade que a afronta ao Tribunal Constitucional foi exemplo desse comportamento – ninguém de bom senso e que respeite a democracia proporia medidas que, à partida, se sabia irem contra a lei fundamental –, as declarações de Gaspar (eu não fui eleito coisa nenhuma) não fizeram mais que confirmar essa matriz ideológica e tecnocrática que atravessa muitas das decisões deste governo. Esta postura é mais do que a ideologia e o pensamento liberais levados ao seu extremo, trata-se de uma falsa ideologia marcada e manietada pelo poder financeiro, o qual convive mal com as regras democráticas e que, fossem outras as condições, facilmente resvalaria em ditadura. Na verdade, por mais que se esforcem, as pessoas contam muito pouco, sobretudo quando as suas expectativas legítimas vão contra os seus próprios interesses.
Será possível, num estado de direito, e unilateralmente, a entidade empregadora ou que assumiu contratualmente um compromisso, alterar os termos do contrato em proveito próprio – mesmo se em nome de interesses colectivos – e em prejuízo da outra parte?! A resposta parece-me óbvia, salvo em regimes não democráticos e ditatoriais. Por que não podemos também nós alterar unilateralmente os contratos que celebramos com o Estado ou com os bancos, por exemplo?! Parece-nos de facto impensável, pois há regras sobre as quais se fundamenta a confiança entre as partes. Só os ditadores fazem uso do poder para alterarem as regras conforme melhor lhes aprouver. Mas esses sabem que ninguém neles confia e que só a negação da liberdade os mantém no poder. Por isso, proponho que os reformados, os aposentados e os funcionários públicos se unam e apresentem queixa no Tribunal Europeu e no Tribunal dos Direitos do Homem contra o Estado português. Que todos nós, portugueses, apresentemos queixa em todos os tribunais possíveis e imaginários contra a usura troikiana por atentado contra a dignidade da pessoa. Não faço ideia se é possível, mas vale a pena tentar em vez de calarmos a revolta ou auto-amordaçarmos a indignação.
Como se tudo o que foi dito não bastasse, estes senhores, a quem um dia demos o voto (a maioria, não todos), fazem o favor de nos brindar com o triste espetáculo de uma hipocrisia disfarçada levada ao extremo do desprezo por todos nós. Como é possível que um membro do governo- e não um qualquer ! – aprove em Conselho de Ministros as medidas – que mais não seja por lealdade e solidariedade – e venha posteriormente expressar publicamente a sua oposição ás mesmas?! E não tenham a ousadia e desfaçatez – como o fizeram alguns senhores do partido desse ministro – que ele tem o direito de se expressar enquanto presidente do dito partido. Se a moda pega, um destes dias temos Passos Coelho a aprovar medidas, enquanto Primeiro Ministro, e logo no dia seguinte a pronunciar-se contra, enquanto presidente do partido. Se Paulo Portas não está de acordo, terá sempre a possibilidade de bater «educadamente» com a porta. Se, por dever patriótico (aceitável segundo a sua visão), não pretende romper, então resta-lhe, por uma questão de solidariedade e lealdade para com os seus pares, remeter-se ao silêncio e assumir as decisões colectivas tomadas – penso eu – por maioria no Conselho de Ministros. E se, como alguns fazem crer, que essa foi estratégia combinada entre Passos Coelho e Paulo Portas, então estaremos perante um verdadeiro atentado contra a nossa inteligência. Poupem-nos o triste espetáculo que mais parece uma birra de putos.
Esta gente não é digna das funções que ocupa, do salário que lhe pagamos e, muito menos, do povo que a elegeu. É tempo de a nossa indignação se transformar em revolta e não mais permitirmos que desenhem por nós um futuro do qual seremos certamente arredados.
Sejam felizes em seara de gente.
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