PÓS PANDEMIA: que mundo desejamos?


Aldeia Caramulo

Não é quando a crise nos bate à porta que se preparam as alternativas, as soluções, pois quando assim é acabam por não ser verdadeiras soluções, mas apenas formas de remediar o inesperado. É como se criasse um atalho para mais depressa se chegar ao caminho anterior. As respostas vão-se preparando ao longo do tempo com persistência e coerência, procurando uma sistematização do que se faz, como se faz e dos resultados obtidos.

Importa ter presente, já que é muitas vezes esquecido ou, no mínimo, omitido, que as motivações das pessoas para permanecerem ou não num determinado território são económicas no sentido de terem oportunidades para garantirem o sustento dos seus e um padrão de vida que julguem aceitável face às suas expectativas. Sempre assim foi e assim continuará a ser sendo que apenas as expectativas e perspectivas se vão alterando. Daí que a primeira pergunta seja, independente dos modelos: como se cria economia? Ou, dito de outro modo, como se cria riqueza? Entendida aqui a economia como sendo uma ferramenta para atingir as metas que se pretendem, ou seja, o bem-estar comum. Entenda-se riqueza como sendo muito mais do que a tradução financeira do que se cria, é, sobretudo, a contribuição para o bem-estar comum.

As mudanças que se avizinham não são as que desejaríamos, não são as que melhor serviriam os interesses colectivos e nós, os que lutamos por um outro mundo, uma outra sociedade, continuaremos a passar ao lado, apenas porque não preparamos o caminho, porque não fomos capazes, porque temos dificuldade em planear em ambientes que nos são hostis. Pretendemos tudo de uma única vez, porque a nossa verdade é a única válida. Portanto, a segunda pergunta que se impõe não é como vamos mudar as coisas, sabendo que não acontecerá como pretendemos, mas num ambiente que não nos é favorável, que mudanças se podem operar? O mesmo será dizer, as que dependem de cada um de nós, das organizações. Se não temos consciência dos limites que nos são impostos, mesmo se injustos, não conseguiremos ir além da retórica. Propor soluções para problemas concretos, para necessidades sentidas pelas pessoas que habitam os territórios. Se tal acontecer, as mudanças acontecem. Se falharmos, contribuiremos para o adiamento das mudanças que tanto desejamos.

Quando falamos em riqueza e da sua redistribuição, importa ter consciência sobre o que falamos, já que parte do nosso bem-estar depende também de uma riqueza que repudiamos. Esta é a era do capital improdutivo: comprar papéis rende em média, a nível mundial,  7% ao ano, enquanto a produção rende entre 2 a 2,5% ao ano, cabendo ao tráfico de estupefacientes 2,7% do PIB Mundial. 
10% do PIB Mundial é dominado pelas máfias graças ao tráfico de drogas, armas e seres humanos. E nós, mesmo que do facto não tenhamos consciência, também somos beneficiários dessa riqueza, uma vez que as sociedades também são beneficiárias desse tipo de negócios.

Uma outra pergunta que se impõe: o que entendemos por bem-estar? E bem comum? De que parte estamos dispostos a abdicar? Esta é uma discussão que se evita, substituindo-a por uma outra mais genérica e inócua. Nestas conversas fala-se às vezes de outros índices que não o PIB, nomeadamente índices de felicidade. Ora, há que ter muito cuidado com o que dizemos e não irmos atrás da retórica da indústria da felicidade, que é manipuladora, ditatorial que invadiu as sociedades, nomeadamente a economia, graças às teorias da psicologia positiva. As grandes empresas estão-lhe gratas. Importa perceber que as propostas de mudança colocam em confronto expectativas diferentes, sobretudo entre os que atingiram determinado patamar e aqueles que o desejam atingir. Isto é válido para pessoas, territórios ou países. Por isso, as desigualdades nem sempre facilitam mudanças mais profundas, sobretudo quando introduzem novos paradigmas. Isso só acontece quando as sociedades se mostram incapazes de gerir as rupturas que produzam revoltas. 

O que de bom se vai construindo não pode continuar a ser olhado apenas como projectos alternativos ou apenas como boas práticas. É urgente sistematizar, criar pensamento crítico e desenhar novas soluções a partir daí. Mesmo que sejam experiências micro têm de ter subjacente uma visão macro, ou seja, algo que sem deixar de ser micro pode ser replicado e comparado e integrado numa visão estratégica para o todo. E a diversidade, uma enorme riqueza, não pode continuar a ser argumento para a falta de sistematização.

Se não mudarmos a nossa forma de estar, agir e participar, continuaremos a ser pequenas ilhas, importantes e necessárias sem dúvida, mas incapazes de dar passos, ou seja, encontrar soluções coerentes para o todo. Como não vivemos no mundo ideal - e resta saber o que isso significa para cada um - as soluções são sempre um equilíbrio, por vezes bastante difícil, entre o desejável e o possível. Como dizia o poeta: O caminho faz-se caminhando e não, digo eu, saltando de um arranha-céus.

Tentem ser felizes em seara de gente.

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