POBREZA| REINO DA IMORALIDADE
Aos que que seguem este blog, as minhas desculpas por este longo tempo de ausência. Agradeço a compreensão e a paciência, esperando que continuem atentos ao que nele irei escrevendo. Muito obrigado.
1. POBREZA E INDICADORES
Os indicadores são medidas que tentam objetivar, tanto quanto possível, a realidade permitindo-nos uma outra percepção e compreensão dessa mesma realidade que vá para além do senso comum ou do mero palpite. É verdade que os pressupostos que fundamentam esses indicadores ou os critérios que os definem são discutíveis, até porque eles são também reveladores de opções ideológicas das próprias sociedades. Também a sua interpretação e a leitura que eles permitem da realidade podem ser, e são-no muitas vezes, diferenciadas consoante o campo ideológico ou o ângulo de visão em que nos situamos. Vem isto a propósito da última crónica de Miguel Sousa Tavares no jornal Expresso e a sua interpretação sobre os dados da pobreza, nomeadamente o fosso entre os 10% mais ricos e os 10% mais pobres. Na minha condição de cidadão ignorante, dependente quanto baste das redes sociais e consciente das suas poucas vantagens e das muitas desvantagens, informo o Sr. MST que o património é também parte da riqueza de alguém. Se eu decidir comprar um bem, não significa que fique mais pobre, mas apenas que porventura terei menos liquidez. Concorde-se ou não é assim que funciona. Bem sei que muitos dos ativos das empresas são um pouco virtuais e nem sempre correspondem à realidade, mas essa é a realidade que esses mesmos 10% (agora a nível mundial) ajudaram a construir através da especulação porque isso lhes deu e dá muito jeito, além de muito dinheiro. Como dizia um dos gurus da gestão (não me recordo quem), «o problema começou quando os consultores entraram nas empresas e transformaram os diretores financeiros em estrelas de rock». Sendo verdade, por um lado, que o índice de Gini (o que mede a desigualdade dos rendimentos) teve uma ligeira melhoria, por outro lado, o fosso entre os extremos (10% mais ricos e 10% mais pobres) acentuou-se sobretudo devido à degradação das condições dos mais pobres. Sendo verdade que os mais ricos não terão porventura ficado ainda mais ricos, a verdade é que também não terão ficado menos ricos, tendo o grau de incidência da austeridade sido mais elevado nas classes mais desprotegidas, já que é aí que as consequências mais se fazem sentir. Resumindo, o que ressalta dos vários dados é que existiu progressividade na aplicação da austeridade nos salários e pensões da Função Pública (atingiu todos), o mesmo não acontecendo nas prestações sociais em que os mais pobres foram os mais afetados. Mas isto apenas tem em conta os que dependem de salários e pensões, e os outros? Quando apoios como o Rendimento Social de Inserção, paradoxalmente, sofrem uma redução em tempo de austeridade, o resultado não poderia ser outro.
Mas voltemos à pobreza. Os dados agora divulgados são deveras assustadores. Todos nós, os mais atentos à realidade, sabíamos da degradação das condições de vida de muitos portugueses, a publicação do INE foi apenas a confirmação de uma realidade que alguns teimam em continuar a ignorar ou a minimizar. Vejamos as taxas de risco de pobreza, ou seja, as pessoas que vivem com menos de 60% do rendimento mediano em Portugal. Note-se que tendo havido uma quebra do rendimento, este será em 2012 menor do que a referência de 2009. Por outro lado, os dados do INE referem-se a 2012, havendo a percepção de que a situação se terá agravado ainda mais em 2013. A taxa de pessoas em risco de pobreza representava em 2012 18,7% (quase dois milhões de pessoas), tendo sido em 2011 de 17,9%. Se considerássemos o rendimento mediano de 2009, essa mesma taxa seria em 2012 de 22,4% e em 2011 de 20,1%. O risco de pobreza é dos mais elevados no grupo de desempregados: 40,2% (38,3% em 2011) e nas famílias com crianças dependentes: 22,2% (20,5% em 2011), atingindo 40,4% nas famílias com dois adultos e três ou mais crianças.
Se olharmos para o indicador, não dependente do rendimento mediano) que mede a provação material (dados de 2013), temos:
- 25,5% dos residentes viviam em provação (21,8% em 2012)
- 10,9% viviam uma situação de provação material severa.
Estes dados são graves, mesmo dramáticos, porque:
- invertem uma tendência de redução da pobreza que se tinha verificado até 2009;
- têm grande incidência nas crianças e jovens;
- estes dados conjugados com a previsão de um desemprego estrutural pós crise que rondará os 13 a 14%, tornará este País, não num jardim à beira mar plantado, mas num depósito de pobres e uma mão-de-obra sem qualquer capacidade reivindicativa;
- face à descida do custo do trabalho, vamos ter um cada vez maior número de pessoas que apesar de trabalharem são empurradas para a pobreza, e isto é profundamente injusto e IMORAL;
- estes dados colocam não apenas em causa a coesão social, mas a essência da própria democracia.
Como se o panorama não fosse, por si só, suficientemente dramático e inquietante, tivemos mais uma pequena peripécia desta trágico-comédia que tem sido a vida deste governo. E assim, um Secretário de Estado também ele desejando ser protagonista da peça, decidiu lançar para o ar a ideia de mais uns cortes nas pensões. Quando as pessoas esperariam um bombeiro que tentasse acalmar a população e dar-lhe alguma esperança, eis que lhe aparece mais um incendiário! Mas o pior – e isto é mesmo muito grave pelo que significa – foram as declarações do Primeiro-Ministro: «… estamos a falar de uma Europa em que alguns poupam [países ricos do norte, entenda-se] para que outros possam gastar [nós e os países do sul, leia-se]». Quando temos um Primeiro-Ministro que tem esta ideia do seu país e do seu povo, dificilmente poderá negociar junto dos parceiros europeus qualquer melhoria ou o que quer que seja. Falta-lhe autoridade e estofo moral. Uma pessoa que tem vergonha de pertencer a este povo não merece o lugar de Primeiro-Ministro ou qualquer outro na esfera da governação.
2. A ÉTICA DOS GESTORES
Outra notícia, embora sem direito a manchetes, mas relevante no que ao comportamento social dos nossos gestores diz respeito e também no que ela mostra de iniquidade no desempenho do trabalho. Administradores das empresas cotadas em bolsa receberam no total, em 2012, 110 milhões de euros, o que significa 240,4 mil euros por administrador, ou seja 17,171 mil euros por administrador e por mês (base de 14 meses). Estes valores, em relação a 2011, significam uma redução de 9%. Existe um outro facto que, conjugado com este, mostra como os gestores em Portugal estão muito mais preocupados com uma espécie de «caça ao dinheiro» do que com a qualidade do seu trabalho. Em média, cada administrador das empresas cotadas em bolsa trabalha em 13 companhias. E isto a tempo inteiro. Quando as funções são exercidas a tempo parcial, o número de empresas sobre para 17,4%. O inquérito levado a cabo pela CNVM, junto de 428 gestores, mostra que há 26 líderes a exercer funções em 30 ou mais empresas, existindo mesmo um que chega às 59 empresas. É obra! Como posso eu acreditar que, por melhores que sejam, em tais condições, produzam um trabalho de qualidade?! Nem tão pouco sei como é possível esse dom da ubiquidade! Será que eles admitem que os seus funcionários sejam simultaneamente trabalhadores de várias empresas, trabalhando para cada uma delas um hora diária, recebendo de todas elas o salário por inteiro? E mesmo assim estariam longe do recorde dos gestores! Quando tanto se fala em competitividade e nos custos do trabalho e quando estudos internacionais apontam como uma das causas da falta de competitividade a falta de organização e a má gestão (ou, no mínimo, desadequada) fica para nós mais claro por que tudo isso acontece. Não é que os gestores sejam maus, já que no estrangeiro muitos deles dariam cartas, o problema é que se instalou, com a conivência e complacência de todos, uma cultura de falta de ética, de compadrio e de promiscuidade, sem qualquer controlo e gozando de grande impunidade, que tem como consequência os lamentáveis factos como este. Aliás, o mesmo acontece noutros sectores da sociedade, nomeadamente na esfera de representação do poder. Sabendo-se que Portugal é dos países da Europa onde, em média, os gestores auferem maiores rendimentos, há algo de muito errado na organização do trabalho neste país. Quanto a ética, estamos conversados, tanto mais que muitos destes senhores têm o despudor de vir para a praça Pública falar da crise, da necessidade da austeridade e da necessidade da redução dos custos do trabalho e da exigência de maior flexibilidade das leis laborais. É esta a ética que nos governa!
Sejam felizes em seara de gente.
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