QUESTÃO DE OBJETIVOS

Um dos problemas deste governo é o de não perceber ou ser incapaz de definir claramente os objetivos, definir uma estratégia para os atingir e as diversas metas pelas quais teríamos de passar até à meta final, a qual poderia sem bem mais longínqua que uma ou várias legislaturas. E como esta clarificação seria importante nos tempos que se vivem!! Quando se coloca a questão dos objetivos importa, desde logo, definir o que se pretende, o que é ou não importante enquanto país e vida em sociedade. Ou seja, que país pretendemos e que sociedade desejamos. Trata-se pois de uma opção ideológica e não de mera opção contabilística ou financeira, já que se trata do desenho do futuro que estamos dispostos a construir enquanto coletivo. Se queremos um Estado Social, se pretendemos um Serviço Nacional de Saúde, se desejamos um sistema educativo em que todos tenham oportunidade – e que sejam sustentáveis – qual a melhor estratégia para que esses objetivos se cumpram? Esse é o ponto de partida. Tratando-se de uma construção coletiva, o esforço é de todos e não apenas de alguns. Imagino, uma vez que os recursos são escassos, que a tarefa não será nada fácil e o caminho sinuoso, mas será certamente possível. Pode não ser o ideal (o ideal é sempre a próxima meta), o que todos desejaríamos, mas será certamente mais justo, solidário e sustentável financeira e socialmente. Teremos que aproveitar melhor os recursos disponíveis (eficiência) e produzir resultados que a todos beneficiem (eficácia), mas não se pode ignorar que o grau de eficiência não é ilimitado – como muitas vezes se pretende mostrar nos discursos políticos, e que a partir de determinado patamar o sistema perderá eficácia. Quando os cortes e, mais concretamente, montantes específicos se transformam em objetivos algo está errado e de nada serve discutir quando o ponto de discussão é uma falácia. Qualquer discussão apenas servirá para legitimar o erro e transformá-lo em verdade. Curiosa forma esta de procura da verdade (realidade)! Imagine-se uma família em dificuldades obrigada a cortar na despesa. Será sensata a sua decisão de cortar todas as refeições durante uns quantos dias da semana? Ou será mais justo e sensato perceber, por um lado, quais as despesas não prioritárias e, por outro, e caso seja necessário, perceber como pode ter todas as refeições a um custo menor? A fórmula adotada por este governo é claramente a primeira. Porventura será o caminho mais fácil, mais eficaz no imediato, mas que coloca em risco muitos cidadãos e cujos custos futuros serão bem mais elevados. Os cortes em si nunca podem ser um objetivo (noção básica de gestão e de bom senso), uma vez que o simples acto de diminuição de custos nada ter a ver com desenvolvimento, sustentabilidade e equilíbrio. Bem pelo contrário, significam retrocesso, insustentabilidade e geram grandes desequilíbrios cujos custos futuros serão incomportáveis.

O problema deste governo e, infelizmente, também da Troika, é que confundem objetivos e metas e não possuem estratégia que vá para além das duas colunas do Deve e Haver. Esta confusão resulta não apenas de questões ideológicas e defesa de interesses, mas também falta de visão e de cultura política que lhes permita encarar o poder e a governação como a construção de um futuro onde todos tenham lugar e oportunidades e não como um jogo de interesses onde uma minoria beneficia dos grandes sacrifícios da grande maioria, mas onde todos serão perdedores. E esta é uma opção ideológica.

Não faltam exemplos que ilustrem a falta de cultura política de muitos membros deste governo, nomeadamente do Primeiro-ministro.A pergunta dirigida aos jovens e ilustres futuros dirigentes na universidade de verão do PSD, sobre o que a Constituição já teria feito pelos jovens desempregados é apenas mais um exemplo caricato dessa ausência de cultura política. Mais do que não ter memória, mais do que ignorar a realidade histórica é o desprezo pela democracia e por todos aqueles, inclusive do partido a que ele pertence, que ao longo de décadas lutaram não certamente para que se proferissem baboseiras como a que ele proferiu. Como é possível que tenha chegado a Primeiro-ministro? Que mensagem está ele a passar aos futuros dirigentes do seu partido?

Infelizmente, também alguma da esquerda parece ser apanhada por esta onda de negação da realidade. Não é que apareceram uma mentes brilhantes que pretendem legislar/proibir o piropo?! Talvez também por esta avidez legislativa a justiça no nosso país tenha chegado ao ponto a que chegou. Tenho consciência que muitos piropos dirigidos às mulheres são ofensivos e roçam, por vezes, a violência não física. Mas eles apenas refletem o tipo de sociedade que é a nossa e não são piores que os reparos públicos dirigidos aos homossexuais, aos sem-abrigo, aos imigrantes,… ou seja, a todos aqueles e aquelas que a própria sociedade exclui e mais fragiliza. Não se trata de um problema de lei, mas de cultura, o que significa que é através de outros meios que se mudam as mentalidades, nomeadamente através da ação cívica e de movimentos de opinião. Quando se pretende que a moralidade seja força de lei, estamos a um pequenino passo da ditadura, seja ela de que tipo for. Por essa mesma razão são arrepiantes e perigosas muitas das propostas moralizadoras que circulam nas redes sociais. Percebo que sejam a forma de dar forma à revolta e á indignação, mas o facilitismo e o senso-comum são inimigos terríveis das democracias e aliados bastante úteis aos que preferem outros caminhos.

Na verdade, mais do que a dívida, são atitudes como estas que nos devem envergonhar.

Sejam felizes em seara de gente.

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